DOHA ? Rodolfo Landim recebeu a reportagem do GLOBO para uma entrevista exclusiva no lobby do Hotel Grand Hyatt, em Doha, poucas horas antes da final do Mundial. Uniformizado com a camisa branca do clube, o presidente do Flamengo estava otimista, mas manteve sua atitude de não transferir peso demais ao Mundial, onde o Liverpool era favorito desde sempre. Satisfeito com as realizações de 2019, preferiu olhar para os próximos passos do projeto.

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Aonde este Flamengo pode chegar? Qual é o futuro?

A gente queria fazer o Flamengo atingir o nível que poderia ter dentro do cenário brasileiro e sul-americano. Entendíamos que o clube tinha condição de ser protagonista, líder deste mercado da América do Sul, pelo tamanho da torcida, pela importância no mercado brasileiro e também pelo tamanho das receitas que tínhamos. Acho que montamos um time qualificado e chegamos esportivamente no topo deste mercado. Mas para a gente chegar onde quer, ser uma primeira superpotência sul-americana, com nível de Europa, há condições externas que envolvem o crescimento do negócio futebol brasileiro e sul-americano, para que a gente possa ter receitas de TV e patrocínio que nos permitam orçamento para competir com os europeus e deixar de ser exportador de mão de obra.

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Mas há fatores limitantes para isso, não?

A TV é um exemplo. O futebol brasileiro não é visto fora do país. É um produto de qualidade, com excelentes atletas, mas não atinge a Ásia, onde os europeus brigam. Para ser global precisa ser visto no mundo todo. O Mundial com 24 clubes me parece tentativa de globalizar e fazer os grandes da América do Sul estarem, de fato, participando de competições mundiais.

Mas será quadrienal. O embate com europeus se tornará mais esparso ainda.

Acho que começa quadrienal. Mas a Fifa terá que discutir com as confederações continentais, que vão tentar proteger seus produtos. A Uefa vai preservar a Champions League como grande torneio de clubes do mundo. A Conmebol, mesmo com as limitações, pode proteger a Libertadores. E o papel da Fifa é enxergar o futebol global, criando mecanismos para outros clubes entrarem na disputa de elite. Aconteceu isso com a expansão da Copa do Mundo.

O objetivo é se relacionar mais com a elite europeia?

É o que estou dizendo. Vamos ter que participar de algum jeito. Como atuamos no cenário regional, teremos que ter um espaço, em algum pedaço do ano, para ter a exposição em outros continentes.

A tendência é desacelerar o investimento em contratações em 2020?

Será bem menor do que em 2019, mas há uma razão clara. Ao chegarmos, sentimos necessidade de qualificar nosso elenco em várias posições. O volume de recursos que estava orçado era muito pequeno para este objetivo. Gastamos mais do que o orçado: eram R$ 108 milhões e gastamos R$ 280 milhões, amortizando estes custos ao longo de três anos. Isto compromete o investimento nos dois próximos anos. E não podíamos errar, senão teríamos que nos desfazer do jogador, perdendo dinheiro e tendo que comprar outro. Acertamos muito, porque teve análise de dados e, como futebol não é ciência exata, uma dose de sorte. Mas o departamento de scout do Flamengo teve forte investimento. Hoje são 15 profissionais. Além disso, criamos processos de tomadas de decisão, como uma empresa. Por exemplo, quem avalia não contrata. Antes, um diretor de futebol decidia tudo: jogamos dinheiro fora com jogadores sem condição física de jogar aqui.

Mas o desempenho de 2019 não melhorou a projeção de receitas para 2020?

Criamos um ciclo virtuoso. Temos melhores resultados, mais demanda, sócio-torcedor cresce em receitas. A projeção de patrocínio também para o ano que vem é maior. Teremos um pouco menos de investimento em relação a 2018, mas numa situação em que o time está muito mais qualificado.

E prêmios por desempenho em competição também, não?

Esta foi outra grande mudança. Antes, os bônus eram proporcionais ao desempenho. Hoje, é um sistema muito agressivo, que depende muito mais de o time ser campeão. Fui criado numa casa em que meu pai falava que o segundo colocado está mais perto do último do que do primeiro. Não estou preocupado em distribuir meu prêmio se o time ganhar. Em grande parte, ou quase totalidade, esta premiação é distribuída para a comissão técnica.

Caso não seja possível comprar Gabigol, vão buscar alguém com este peso?

Há um pré-acordo com a Inter. Falta o jogador, que pediu para discutir após a temporada, e a gente concorda. Se ele não ficar, a avaliação do departamento de scout é contínua. O Flamengo precisa ter plano B para todas as coisas.

Qual o futuro do Jorge Jesus?

Não posso dizer o que ele pensa. Mas como tenho afinidade com ele, digo o que passaria na minha: “Estou no Brasil, onde sou adorado, num clube estruturado, onde há investimento alto, com uns ? 200 milhões de faturamento, alto até para padrão europeu. Enfim, tentaria criar raízes no Flamengo e uma hegemonia?. Ele quer ganhar tudo. Se no primeiro ano já ganhou muito, isso deve motivá-lo a permanecer.

Como você avalia o mercado brasileiro de treinadores?

Minha melhor resposta é que, quando precisamos, fomos contratar fora. Quando a gente precisou, as duas alternativas que tínhamos eram de fora.

Você concorda com a crítica de que o tratamento ao episódio do Ninho do Urubu foi mais técnico do que humano?

Não é verdade. Humanitariamente, tudo o que pôde ser feito, na hora da dor, foi feito. Toda a estrutura do clube foi dada às famílias, eu fui lá conversar com todas. Havia assistentes sociais, gente ligando para eles todos. Vai passando o período do luto, e a discussão passa a ser a reparação do dano moral, do sofrimento das pessoas, ainda que nada trouxesse as crianças de volta. A gente paga um valor às famílias que ninguém mandou a gente pagar. Nunca vi um episódio destes na história em que a instituição ficou preocupada, pagando. De bolsas de R$ 800 aos garotos, passamos a pagar R$ 5 mil às famílias. Mas há estratégias que advogados montam com as famílias que por vezes colocam barreiras no seu contato com as famílias. Dizem “Você tem que falar comigo”. O Flamengo continua querendo contato, conversar com as famílias.

Por vezes parece que o Flamengo foi tentando colocar o episódio em segundo plano, como se não tivesse acontecido. O símbolo de luto foi movido para baixo na camisa, o memorial no Ninho não foi erguido.

O fato de você, num momento de felicidade, comemorar conquista, eu acho natural. Lembrar dos meninos a gente vai continuar lembrando. Você entra no Ninho do Urubu a bandeira está a meio pau há um ano. A FlaTV tem um símbolo de luto desde então. Não é verdade [esse segundo plano]. Mas a gente não pode se sentir culpado por estar comemorando um título que é um sonho que a gente tinha. Mães de garotos me disseram: “Ganhem pelo Flamengo porque meu filho era Flamengo. Onde ele estiver, ele vai estar feliz”. Eu não posso me privar de ter meus momentos de felicidade porque a vida continua. Isso não significa que a gente se esqueceu das pessoas.

O futebol no Brasil cumpre um papel social, supre questões em que o estado é falho. Mas não passou na cabeça de vocês que este episódio pudesse ser o ponto de partida na reformulação do diálogo do Flamengo com a sociedade, com grandes projetos de assistência, fincando bandeira como um marco de responsabilidade social?

O Flamengo neste ano, e antes do episódio do Ninho, tinha proposto ao conselho a criação de três novas vice-presidências. Uma delas, de responsabilidade social. Até para fomentar uma série de iniciativas voltadas ao aspecto social. Mas, em boa parte, para mostrar à sociedade o que o Flamengo já faz. Além de iniciativas isoladas, como doação de sangue, natal em comunidades carentes, o Flamengo forma atletas, dá chances a jovens, tira a possibilidade de eles estarem entregues ao crime. Poderíamos ter tido até mais resultados, mas uma pessoa que colocamos ali teve um problema de saúde. Mas queremos mostrar à sociedade o que fazemos. E é independente do Ninho. É porque o Flamengo é um clube cidadão e precisa sinalizar isso à sociedade. A gente já pensava assim antes do Ninho. Foi um acidente doloroso, uma tragédia histórica na vida do Flamengo. E ninguém esqueceu e ninguém quer varrer para baixo do tapete.