E afinal de contas, vai acontecer. Como em dezembro de 1981, Flamengo x Liverpool pisam um gramado asiático, desta vez no Golfo Pérsico, com um título mundial em jogo, hoje, às 14h30m. Mas o fazem em outra era do futebol.

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Não há mais uma viagem rumo ao desconhecido. Os europeus olham o outro lado do Atlântico como fonte de matéria-prima para seus supertimes. A América do Sul tenta sobreviver à era de colonialismo do jogo, de tentáculos vindos de todos os mercados que conquistam através do dinheiro. Não por acaso, este Mundial se joga no Qatar, uma sede de Copa do Mundo de 2022 ávida por soft power em meio a um embargo regional e acusações de falta de ética nas relações de trabalho dos operários que erguem estádios.

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O Flamengo, reestruturado a ponto de construir um poderio financeiro inédito na América do Sul, tem razões para acreditar na partida de hoje. Reuniu talentos que podem resolver um jogo contra um rival tão poderoso. Não é preciso ser melhor do que o Liverpool por 38 rodadas como num campeonato nacional, o que seria uma impossibilidade. Basta vencê-lo uma única vez. Hoje. E ganhar o mundo. Pode ser a última chance, ou a penúltima, ao menos que uma grande reforma transforme o futebol como conhecemos hoje.

Mais europeus

Afinal, a partir de 2021 o Mundial muda de cara. O Flamengo estará nele, segundo todas as propostas apresentadas na Fifa, mas serão oito europeus num torneio de 24 clubes, a cada quatro anos. Ter um grande dia e ganhar uma vez de uma potência global já não bastará. Será preciso fazê-lo três, quatro vezes em sequência. Há quem aposte que, na ordem econômica atual, a Europa não perderá mais. Ou que muitas gerações de não europeus passarão anos sem celebrar a conquista do mundo.

? Eu garanto que, no futuro, será muito mais difícil ganhar no novo modelo. Será apenas para os grandes técnicos e jogadores ? disse Jorge Jesus, técnico português do Flamengo.

Como se não bastassem os 38 anos de espera, cria-se uma sensação de oportunidade única para os rubro-negros. Ou quase isso. Um time que dominou o Brasil, ganhou a América do Sul e agora se mede contra um campeão da Europa que, em todo o ano de 2019, perdeu só três jogos com sua equipe principal.

? Foi difícil chegar aqui e queremos desfrutar. Não viemos jogar sem responsabilidade. São dois grandes times que vão se enfrentar e vamos tentar ganhar ? disse Éverton Ribeiro.

Em Doha, até o presidente da Fifa reconhece que o futebol de clubes se divide em duas realidades.

? Há 50 anos, o futebol era estritamente nacional. Hoje, há clubes que são forças globais. De 10 a 12 clubes de cinco países europeus estão num patamar e o resto do mundo está muito atrás ? disse Gianni Infantino, reconhecendo o problema mas defendendo o novo formato do Mundial, com 24 clubes, como solução inclusiva.

Nada mais transnacional que o egípcio Mohamed Salah, que saiu de seu país, peregrinou pela Itália e chegou a Liverpool para ser coroado. Jogador muçulmano de maior prestígio no mundo, chegou a disputar o prêmio de Melhor da Fifa na era de Cristiano Ronaldo e Messi. Ficou em terceiro.

Do lado rubro-negro, Bruno Henrique se coroou melhor jogador do Brasileirão e da Libertadores. Sua trajetória repete uma receita brasileira quase em desuso: cria da várzea, desenvolveu-se sem o verniz de uma base sólida. Foi e voltou da Europa, mas há três anos prova que é capaz de triunfar

Tudo isso dá o tom do tamanho da façanha que o Flamengo busca. Hoje, são apenas 90 minutos para o rubro-negro do Rio tenta fazer gerações inteiras experimentarem o sabor de conquistar o planeta, como seus pais e avós contavam.