Jornalista de sucesso em Portugal, Rui Pedro Braz caminha para ter êxito parecido como escritor no Brasil. Autor do livro “Mister Jesus, Quebrando Paradigmas no Futebol”, o português de 41 anos conta diversas histórias e curiosidades sobre o técnico do Flamengo em 300 páginas ? o livro da editora “AllBook” foi o mais vendido na categoria Esporte com dois dias de lançamento na Amazon.
Zico, exclusivo: ‘Quero ver a torcida feliz. Não estou preocupado se vão lembrar de mim’
Amigo de Jorge Jesus, ele conversou com o GLOBO em Ipanema. Nesta conversa, Braz relata suas impressões sobre o treinador e bastidores das suas conversas que teve com ele enquanto escrevia o livro.
No Brasil, o que mais surpreendeu Jorge Jesus?
Mister disse que fala-se muito da violência, mas que não viu nada. Uma coisa que ele compartilhou é que viu torcedores de vários clubes com as suas camisas na beira da praia conversando e jogando bola de forma tranquila. Isso causou impacto nele porque não acontece na Europa. Não se vê na rua um torcedor do Porto, do Benfica e do Sporting com as camisas e andando sem problemas. Pode causar desconforto.
O que mais o impressionou positivamente?
A estrutura que encontrou no CT, as condições fantásticas. O Maracanã é o Maracanã. Causou-lhe um pouco de estranheza como um clube do tamanho do Flamengo não tem um estádio próprio, mesmo que desfrute de um estádio como o Maracanã. Ele sabe que isso é uma questão da diretoria do clube.
E que o mais lhe incomodou?
Viajar 5 mil quilômetros para um jogo [a distância entre Rio e Fortaleza, ida e volta] para ele não existe. Se você faz isso na Europa, você está na Russia, na Turquia… Foi o principal choque quando chegou aqui.
Como é a relação de Jesus com a sua família?
Vejo muito do respeito do Mister. O carinho que ele sempre teve é algo que o identifica muito. Existe uma história do avô que faleceu ao lado do Mister, no que é considerado o jogo mais longo da história. Final da Taça Portugal entre Vitória de Setúbal e Acadêmica de Coimbra. O regulamento diz que, se tivesse empate, iria para uma primeira prorrogação de 30 minutos, e depois uma segunda. Esse jogo teve 150 minutos. Foi no final da segunda prorrogação que o Vitoria de Setúbal fez o 3 a 2. O avô do Mister não aguentou a emoção e faleceu.
Isso marcou muito o Mister, que tinha 13 anos. Marcou tanto que ele disse “eu vou vir jogar a final da Taça”. Não conseguiu como jogador, mas como treinador esteve por quatro vezes e ganhou. Essa história moldou o caráter do Mister, imagina uma criança de 13 anos ver seu avô falecer.
A mãe do Mister também teve uma história parecida…
Dona Maria Elisa. Quando ela faleceu, o Mister usou preto por dez anos. Ia para banco, coletivas, só preto. Casaco preto por dez anos. Só largou quando chegou a clubes que o obrigavam a usar uniformes oficiais. Mais marcante ainda foi seu pai, que faleceu em 2017, mas nos últimos anos estava muito frágil. Mister teve propostas de grandes clubes europeus… Milan, Zenit, Monaco, mas ele disse que não saía de Portugal enquanto seu pai fosse vivo. Ele saiu do Benfica, decidiu ficar em Portugal e foi treinar o Sporting. Cumpriu essa proposta. Seu pai faleceu em 2017, e ele foi para Arábia em 2018.
E com os filhos?
O Gonçalo é treinador de rugby, o Mauro é praticante. O Mister acompanha quase todas as modalidades e traz para dentro do futebol [algumas táticas]. O Benfica começou a usar bloqueio ofensivo em lances de bola parada. Coisa do futsal também, mas isso era uma novidade e o árbitros não sabiam se apitavam falta.
Mister é religioso?
O que eu sei, é que ele não é praticante, mas é religioso. Ele disse recentemente numa entrevista em Portugal que acreditava que, nos minutos finais contra o River Plate, alguém lá em cima o ajudou a ganhar esse jogo. A entrevistadora perguntou “quem”, ele disse: “se acredita, foi Deus”.
Qual é a história mais engraçada do livro?
Creio quefoi a forma como o Mister decidiu ser jogador. Estava na mesa de casa jantando com os pais. Ele estudava, trabalhava e jogava bola. Comia, dormia e jogava. Tinha 15 anos, até que um dia adormeceu em um prato de sopa. O pai falou para ele decidir o que queria da vida, ele escolheu o futebol e a família o apoiou.
Muito se diz sobre Jesus em Benfica e Sporting, mas e o Porto?
Ele é muito amigo do Pinto da Costa, histórico presidente do Porto. O Porto tentou contratá-lo várias vezes. No fim do primeiro ano do Jesus no Benfica, o Porto tentou, e o Benfica teve que quadruplicar o salário do Jesus. Dois anos depois voltou a acontecer e o Benfica teve que renovar o contrato. Quando ele sai do Benfica, tinha a questão do Porto ter contrato de dois anos com o Julen Lopetegui e não pegaram o Jesus. É por isso que ele foi para o Sporting, que tinha acabado de liberar o Marco Silva, que estava no Everton até o mês passado. Foi um gesto meio louco, pois o Sporting não tinha capacidade financeira para aquilo.
Com qual jogador Jesus mais se identifica no Flamengo?
O Arão é quase uma imagem do Mister. Ele fez com Arão o que fez com vários volantes. Javi García, Enzo Pérez, Pizzi, Matic, todos eles passaram pela mão do Mister, William Carvalho. aquela posição de primeiro volante é absolutamente estruturante para o jogo do Mister. Permite o equilíbrio de toda a equipe. Um primeiro volante que caia na mão do Jesus e queira aprender, vai se tornar um jogador de topo.
Qual é o maior sonho do Jorge Jesus? A Copa do Mundo?
Maior sonho esportivo é ganhar a Champions. Para mim, um treinador de clube é diferente de um selecionador. O trabalho do Mister no dia a dia, de corrigir 20 centímetros em posicionamento, movimentações, horas a fio a gritar com elenco. Não dá para fazer isso na seleção. O trabalho tem que ser outro. Motivação, capacidade, montar bem a equipe mas sem possibilidade de tanta correção. Há jogos que o Mister corre tanto quanto os jogadores dentro do campo. Tem que ter um mapa de calor ou de contagem de quilômetros. Seria interessante fazer isso.
Creio que ele poderá comandar Portugal um dia, mas para já, não. Ele poderia fácil também virar treinador do Brasil. Mas veja Tite, ele não desaprendeu. Mas ainda não conseguiu repetir na seleção e trabalho brilhante que fez em clubes.
Acredita que houve um momento em que Jesus venceu a final da Libertadores?
O Mister Jesus, além de ter um conhecimento grande dos adversários, sabia que o jogador chave do River Plate era o Enzo Perez. Quem fez o Enzo foi o Jesus, mas o Enzo era um ala e no Benfica que foi adaptado para volante. Com o passar dos anos, ele foi recuando, passou de 8 para 5. Quem estava no estadio, sentia que a grande força do River estava no Enzo destruir o que Gerson tentava fazer, impedir as investidas do Arrascaeta… Sem ter falado com o Mister, mas tenho certeza que ele sabia que o Enzo ia cansar. Alias, o time inteiro do River cansou. O Enzo tinha que cansar e ele lançou o Diego. Nós, na arquibancada, falamos que ele ia virar. Quando o Diego entrou, ficamos com a sensação de que o Mister leu bem o jogo. Tanto que ele [Diego] está na jogada dos dois gols.
Fonte: O Globo