Don Leopoldo viveu seus últimos vinte anos em uma cadeira de rodas, após sofrer uma queda de um cavalo de corrida.
Mesmo assim, o ex- jóquei viu o filho Daniel, pai de Giorgian de Arrascaeta, seguir o mesmo caminho, ao mesmo tempo em que vendia pão em Nuevo Berlín, município uruguaio onde nasceu o meia. Giorgian, aliás, era o nome do cavalo mais vencedor que Daniel montou.
Hoje, a tatuagem na panturrilha e os animais comprados para o pai cuidar não são as únicas lembranças dessa trajetória desviada pela bola de futebol. Como diz a outra tatuagem, que o jogador tem no braço direito: “Minha mãe me deu a vida, o futebol o meio de viver?.
Se não fosse o futebol você seria o quê?
Jóquei, com certeza.
Seu pai teve influência nisso?
Meu pai sempre preferiu que eu me inclinasse para o futebol.Ele viu meu avô ficar de cadeira de rodas e quebrou o braço num acidente. Eu vi meu pai se machucar. Isso me assustou um pouco. Meu pai estava por dentro, o outro cavalo peitou, e ele quebrou o braço. É perigoso. Por isso me inclinei mais pelo futebol.
O turfe era uma paixão sua?
Quando novinho, sempre treinava com meu pai. Mas caí muitas vezes. Peguei medo de correr.
E como sua mãe, dona Vitoria, moldou sua personalidade?
A minha personalidade é da minha mãe, que sempre foi dona de casa. Sou mais parecido com meu pai de rosto. Minha mãe é mais tranquila. Meu pai fala o dia todo, é mais fanfarrão. Se ele estivesse aqui, conversaria com todo mundo.
Você diria que é tímido?
Minha personalidade não muda, sou o mesmo cara. Tenho minhas intimidades. Não vão me pegar indo para a balada. Para outras pessoas sou um cara mais quieto. Entre meus amigos, não.
Você é um dos jogadores mais decisivos do país. Se há uma crítica ao seu futebol, é que ele não seria intenso o suficiente para jogar na Europa. Como encara isso?
Sou assim. Preciso de mais intensidade, sei que preciso melhorar. Tem caras que são mais intensos do que eu. Para o futebol daqui minhas características são muito boas. Pode ser que eu não seja capaz de jogar na Europa, por questão de intensidade. Mas você pode trazer um cara da Europa para cá e não se adaptar. Ou alguém que vá para lá e que não consiga jogar.
Europa não está nos planos?
Hoje não iria para qualquer time de lá. Lógico que tenho vontade de jogar em alguns times, mas vejo com outros olhos essa hipótese.
Quem foi seu maior ídolo?
Riquelme [meia argentino]. Jogava muito. Era fenômeno. Acompanhava muito a carreira dele no Boca.
Faz um tremendo sentido, quando se comparam os estilos de vocês dois.
Pois é. O Riquelme tampouco foi um cara muito intenso, jogava mais com a bola no pé, mas deixava os caras na cara do gol. Jogou muito na Espanha, no Villareal, mesmo sem ter essa intensidade toda.
Cavani, que está saindo do PSG, combinaria com o Fla?
È goleador em altíssimo nível. Se viesse, seria ótimo.
Qual a melhor dupla: Cavani e Suárez ou Bruno Henrique e Gabigol?
Aí você quer me ferrar com os caras. São fenômenos. Uns na Europa e outros os melhores do Brasil. Eles podem conquistar tudo que conquistaram lá fora. Que possam jogar em um grande clube da Europa também
O que você achou do Rio?
Bem diferente do que pensava quando cheguei aqui. A gente muitas vezes, quando mora em outra cidade, cria uma imagem mais agressiva do que parece. Tenho curtido com minha namorada. A gente mora na Barra, perto da praia, dá para curtir muito as manhãs, tomar chimarrão, andar de bicicleta. Amigos e família curtem também quando vem. A cidade é incrível. Querem me levar para conhecer, mas o JJ não dá uma folguinha. Quando tem folga, no dia seguinte de jogo, melhor ficar em casa descansando. Até falo com amigos que jogam na Europa, e eles invejam muito. As cidades lá são muito frias, o tempo castiga.
Está tentando trazer algum uruguaio para o Flamengo?
Vou tentar trazer?risos. Não tenho falado com ninguém. Mas todo mundo já conhece o Flamengo nesses últimos anos. Agora está em nível de contratar jogadores até da Europa.
Como seu futebol no Brasil repercute hoje lá no Uruguai?
Alguns jogadores de lá trabalharam com o Jesus, como o [zagueiro] Coates. Eles perguntam. Eles falam: “Ele é meio doido, né?? Não mudou muito a ideia que os caras tem de mim lá. Falo com o treinador da seleção [Óscar Tabárez], ele sempre me mostra o que eu posso melhorar. Mas a Copa América para mim já foi boa, comecei jogando alguns jogos, depois só tivemos amistosos. Preciso ir bem no meu clube primeiro.
Alguma semelhança entra Tabárez e Jesus?
As características de jogo que buscam são diferentes, o Uruguai é mais reativo. Na parte psicológica, são parecidos, sim. São caras que chegam muito no jogador, e focam no respeito. Têm uma grande presença no vestiário. Aqui é incrível e lá também.
Lembra de alguma conversa marcante com o Jesus?
No dia que cheguei aqui, ele me perguntou onde eu gostava de jogar. Falei a posição em que eu normalmente jogava. Ele falou: aqui você joga muito bem, mas nesta outraparte você nao sabe jogar, precisa melhorar aqui.
De qual parte ele falava?
Na parte centralizada, no meio-campo, de costas. Ele falava que eu teria mais dificuldade do que na beirada. Na parte tática, ele diz que tenho que estar posicionado assim, para assistir ao companheiro, não perder a bola. Me ajudou muito. Se em 2020 ele estiver conosco, vai ser ainda melhor.
Com Jesus, você aprendeu algo de que não sabia ser capaz?
Faltava conhecimento, né. Ele fala para nós, sobre a parte tática. Se perder a bola, não pressiona no momento. Se chegar na linha de fundo não toca para trás. Um dos melhores treinadores que já tive. A gente não tinha conhecimento da parte tática, com linhas altas, zagueiro lá em cima para tirar referência, deixando a gente mais perto do gol. Nunca tinha jogado em um time com tanto tempo com a posse de bola. Podemos continuar crescendo. Estamos bem, mas tem que melhorar. E isso pode acontecer com outros clubes. O futebol brasileiro eu tive vários treinadores, mas a forma do Jorge é muito diferente do que eu jogava com o Mano no Cruzeiro. Trabalhei com Paulo Bento e jogava parecido, mas não igual. Fazia e levava muito gol. Aqui tem um cara muito diferenciado. Ele vive o futebol o dia todo. A gente chega, tem palestra, treina, acaba tem outra palestra. Prepara pré-jogo. Antes do jogo tem outra palestra. Todo mundo sabe o que tem que fazer. É como uma escola.
Em algum momento do jogo contra o River Plate você teve certeza que seria campeão?
Percebemos que o time deles ia ficando mais cansado depois de não deixar a gente jogar no primeiro tempo. A gente chegou um pouco mais. Em dois lances fizemos dois gols. Tem que estar ligado o jogo todo.
O gol de bicicleta contra o Ceará… é para receber o prêmio Puskas da Fifa?
Foi bonito, mas ainda tem o ano todo para sair gol de todo jeito. Esse gol foi magnifico. Acho que pode estar.
E o Liverpool? Dá para não pensar neles?
A gente pensa mais em nós do que neles. Tem que desfrutar. Temos responsabilidade, mas tem que desfrutar desse torneio. Não vamos disputar todo ano. Tem que passar ainda pela semifinal, e se chegar à final, será algo magnífico. É um dos melhores times do mundo.
Fonte: O Globo