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Análise: Mesmo depois de morto, Eurico muda rumo político do Vasco



 

Quando Eurico Miranda trabalhou e foi bem sucedido na intenção de derrotar Júlio Brant na última eleição no Conselho Deliberativo do Vasco, em 19 de janeiro de 2018, ele escreveu seu último grande ato na política do clube. Pela primeira vez na história centenária do Cruz-maltino o cabeça da chapa vencedora na eleição entre os sócios não foi confirmado presidente pelos conselheiros.

O que talvez Eurico não imaginasse na ocasião, quando somou os votos necessários para eleger Alexandre Campello, é que, quase dois anos depois, sua última grande demonstração de poder teria como desdobramento o fim daquilo que justamente permitiu a reviravolta na política vascaína – a eleição indireta. Eurico Miranda, mesmo falecido em março, mudou na quinta-feira pela última vez os rumos de clube, quando foi aprovada por unanimidade a escolha direta do presidente em 2020.

A reviravolta eleitoral no Conselho Deliberativo do Vasco sempre foi possível, ainda mais quando o Conselho de Beneméritos, que preenche metade das cadeiras do Deliberativo, caminha cada vez mais distante da vontade do sócio comum. Mas ninguém nunca tinha tido a coragem de apertar o botão. Eurico Miranda teve e Alexandre Campello, com a decisão da última reunião na Sede Náutica da Lagoa, pode entrar para a história como o primeiro e único presidente do clube a não ter sido cabeça de chapa e depois escolhido para comandar São Januário.

O botão que Eurico Miranda apertou foi autodestrutivo. Implodiu o equilíbrio de forças que mantinha o Conselho de Beneméritos como um trunfo de peso, uma arma que, ao não ser usada na potência máxima, era tolerada pelos atingidos por ela: sócios comuns e torcedores que acompanham o Vasco de perto, muito perto, ainda que não participem da vida política do clube.

E foi essa massa, que setores mais conservadores do Cruz-maltino insistiram em ignorar por anos, que se levantou depois que Eurico Miranda apertou o botão. Os poderosos influenciadores digitais, que ajudaram decisivamente o Vasco a se tornar o clube de maior número de sócios-torcedores do país, não aceitaram o abuso de poder em janeiro de 2018 e a eleição direta para presidente virou pauta obrigatória. Alexandre Campello, com os acertos acumulados em quase dois anos de gestão, conseguiu desarmar boa parte da torcida e é bem mais querido hoje do que quando assumiu o clube. Mas vez ou outra a estigma de “golpista” reaparece.

Eurico, ao apertar o botão, sem saber colocou em risco o que ele mais prezava na vida política do Vasco: o Conselho de Beneméritos. Ele passou anos a defender a relevância do grupo e agora, com a eleição direta para presidente, os beneméritos estão mais ameaçados que nunca. Tanto que tentam emplacar a obrigatoriedade de o presidente nominar novos beneméritos e impedir que o conselho morra lentamente, ao passo que seus membros também venham a falecer.

Antes, talvez não fosse preciso essa determinação. Tradicionalmente o Conselho de Beneméritos serviu para que políticos perpetuassem apoiadores no quadro decisório do clube e assim resguardassem seus interesses. Isso ainda pode continuar, mas o botão a ser apertado não existe mais. Na votação direta, o voto do grande benemérito tem o mesmo peso da escolha do sócio comum e basta o candidato eleito manter a coesão dos seus 120 conselheiros para ter uma vida bem mais tranquila do que a que Campello vem tendo, em meio à política vascaína altamente fragmentada.

Eurico Miranda transformou a vida política do Vasco mesmo depois de morto. Resta saber que impacto a eleição direta para presidente terá na realidade do clube de São Januário daqui para frente. Aparentemente, a era dos botões que podem ser apertados acabou.

 

Fonte: O Globo

 


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