Uma convocação feita pelo clube levou o Vasco a quase triplicar seu número de sócios em cinco dias, chegando a 83 mil. O Fluminense anunciou uma promoção para novos sócios, e o Botafogo vê o público nos jogos no Nílton Santos crescer.
Mais do que apelos à participação do torcedor, cada um destes movimentos é um sinal de vitalidade de três clubes submetidos a um contexto que nunca lhes foi tão hostil. A globalização conduz o mercado mundial do futebol à formação de elites restritas e à ampliação das diferenças entre mais ricos e mais pobres. No Rio, a reestruturação administrativa do Flamengo, clube de maior torcida do país, lhe permitiu realizar toda a sua capacidade de arrecadação, atrair jogadores de porte, ganhar títulos e gerar ainda mais receita. Um círculo virtuoso que reforça o contraste com três rivais em sérios apuros econômicos.
Do abismo técnico e financeiro à desmobilização, é um pulo. Cria-se uma sensação opressora numa cidade em que um clube dominante tem cada vez mais torcida. Por quatro vezes neste Brasileirão o Flamengo enfrentou seus rivais no Maracanã e o contraste de público era alarmante: nos setores atrás dos gols, para torcida segregada, o Flamengo vendeu um total de 73.864 ingressos contra 12.105 dos rivais. Nos setores em que as torcidas convivem, o domínio chegava a 90%.
O fato é que a disparidade atual permite refletir sobre a perda das relações locais em tempos de globalização. Uma realidade da qual o futebol não escapa. Ao contrário.
Há duas ou três décadas, um desequilíbrio semelhante ao atual poderia ser lido de outra forma. Pareceria cabível a tese de que o enfraquecimento de três grandes faria mal até ao clube mais próspero do momento. Porque o jogo era um negócio essencialmente local. O Estadual ocupava seis a sete meses do calendário e gerava parte importante das receitas. Seria cabível até defender um movimento conjunto de recuperação. Ou mesmo esperar que o sucesso de um clube pudesse impulsionar o trio mais debilitado.
Hoje, parece haver muito pouco a unir os rivais locais. A globalização conduziu a uma revisão de expectativas e ambições, retirando valor do que é local. O futebol carioca, como conceito capaz de criar alguma unidade, tornou-se algo vago e distante. O Estadual dura três meses ? o que ainda é muito ? e gera um impacto econômico reduzido na realidade de um Flamengo que, em 2019, flerta com R$ 1 bilhão em receitas.
Mas o preço que se paga também é altíssimo: fica para trás um traço cultural do nosso futebol. E isso não é pouca coisa. Por mais que pareça uma piada de ocasião, uma resposta a uma dessas provocações de internet, o fato de a torcida rubro-negra entoar coros citando o Palmeiras após os títulos da Libertadores e do Brasileiro é um alerta a Vasco, Fluminense e Botafogo. Há um movimento de geração de novas rivalidades em novas fronteiras.
A criação de uma liga que gere certa regulação na distribuição de receitas do Brasileirão é um passo válido,mas não solucionaria a questão. Seu papel vital é outro: criar um produto mais bem tratado e vendido. Porque hoje, o dinheiro novo do futebol tem mais a ver com a capacidade mobilização de torcida de cada clube: receitas de estádio, programas de sócios e acordos comerciais. É por isso que cada sinal de vitalidade de alvinegros, tricolores e vascaínos deve ser celebrado.
Fonte: O Globo