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Flamengo campeão da Libertadores: O talento mostra que sempre há uma saída



 

Foi um prato cheio para quem acredita que o futebol é uma metáfora da vida, uma fábrica de lições sobre ganhar, perder, não desistir. Foi também uma jornada em que o futebol ofereceu lições sobre ele mesmo, e cada um pode escolher a sua. É possível interpretar esta final memorável entre Flamengo e River Plate de diversas maneiras: como o futebol ensinando o quanto é indomável; como uma demonstração clara do quanto o jogo é dos jogadores, capazes de se sobrepor a estratégias ou duelos táticos; ou como uma advertência de que, em determinadas partidas, tentar explicar o futebol, ser 100% racionalidade, pode encobrir o melhor deste esporte. Há momentos que simplesmente acontecem. E em Lima, aconteceram de uma forma que nenhum rubro-negro vai esquecer.

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Porque quase nada indicava que havia uma saída. Racionalmente, parecia mesmo não haver. Até que surgiram os gols de Gabigol.

Mas nada é apenas obra do acaso. É preciso ajudá-lo. E quando o Flamengo marcou seus dois gols, todo o esforço de anos do clube para se reestruturar, para ser capaz de jogar pesado no mercado, foi recompensado. Porque quando se juntam jogadores acima da média, sempre há uma saída. Pode aparecer um lance individual como o de Bruno Henrique, que vive um ano absolutamente encantado. Pode surgir o pé de Arrascaeta para o chute cruzado. E, acima de tudo, pode surgir Gabigol, de cujos bolsos, em algum momento, caem gols. Quase como uma inevitabilidade. Jogadores talhados para grandes momentos, uma reunião de talentos capaz de fabricar vitórias contra os prognósticos.

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É curioso, ainda, quando uma final parece a metáfora de uma caminhada. Quase tudo de extraordinário que o Flamengo fez neste 2019 contraria algumas as cartilhas do futebol. Não é comum um time trazer oito jogadores, todos se encaixarem e formarem, no primeiro ano, um time tão harmônico; não é normal um técnico de cultura tão distinta ao que se pratica no Brasil chegar no meio do ano, numa radical mudança de rota, e fazer o time jogar a seu feitio. E não é normal ganhar o jogo mais importante do ano, a final da Libertadores, vendo o rival impedi-lo de se expressar, sendo menos do que habitualmente se é.

O Flamengo tem mais armas do que exibiu no Peru. Mas quando há tanto talento, os gols brotam.

Choque cultural reverso

Num único aspecto em que a final de Lima não refletiu os últimos meses do Flamengo: o time não jogou como pode. Durante 70 minutos, o jogo era uma espécie de choque cultural reverso. Tudo o que o Flamengo impôs como armas para dominar o futebol brasileiro era usado contra ele pelo River Plate. A pressão intensa e a negação de espaço ajudaram o Flamengo a impor o tal choque cultural no Brasil. Confrontado com estas armas, tão raras por aqui e empregadas com imensa competência, o rubro-negro não conseguia jogar. Era até angustiante.

Onde estava a bola, o River fazia uma pressão extremamente coordenada. Seus dois atacantes obrigavam Arão a recuar entre os zagueiros para buscar iniciar jogadas, mas isto é algo que o Flamengo já faz. Mas a forma como o River combatia a saída isolava Gérson. Quando recebia, era alvo de um enxame de argentinos. Por vezes, o River conduzia a circulação do bola do Flamengo para um dos lados e o imprensava, impedia as viradas de jogo. Não havia longas sequências de passes, a continuidade de ataques a que o Flamengo se habituou. Era piscar a e a bola era dos argentinos de novo.

Quando tentava escapar por um dos lados, a pressão vinha de um dos laterais do River, com o restante da linha defensiva fazendo um três contra dois em Gabigol e Bruno Henrique. Havia quase uma perseguição, um encaixe de marcação que sufocava. Pinola era uma assombração na vida de Gabigol.

E note-se, ao retomar a bola, o River nem produzia tantas chances de gol. Mas impedia o Flamengo de se sentir confortável, de ter a sensação de que estar no jogo.

Outro dado, o gol do River vem um tanto fora deste roteiro, a partir da condução de Enzo Pérez, um monstro no meio-campo, posicionado à frente da zaga, ganhando todas as bolas, mandando no jogo. Ele achou Ignácio Fernández e a indecisão de Arão e Gérson permitiu o gol de Borré.

A questão era quanto tempo o River suportaria este nível de pressão. Foram pouco mais de 70 minutos. Enquanto Jorge Jesus, como habitual, jogava cartadas ousadas. A partir delas, a partida tem ligeira mudança alguns rubro-negros crescem. Diego, até há pouco tempo desconsiderado para o restante da temporada, virou segundo volante quando Gérson não se lesionou. Em seguida, virou o homem mais recuado do meio-campo quando entrou Vitinho. A ideia era aproximar dele os meias Éverton Ribeiro e Arrascaeta, ter opções de passe. Diego e Éverton fizeram a bola correr. A marcação do River já chegava instantes mais tarde do que os argentinso gostariam. A bicicleta que o uruguaio tentou já era um sinal, mas a sensação do gol ainda era frágil.

Até o lance individual e o passe de Bruno Henrique, até o gol de empate, ou até o futebol, de novo, aprontar das suas. Justamente Pinola perdeu o último duelo do jogo para Gabigol fazer o gol libertador de uma torcida, de um clube.

A geração de dezembro de 81 segue tendo seu altar, intocável na história rubro-negra. Mas agora, é possível olhar para Zico, para Júnior, e enxergar neles os símbolos de uma história enorme. E não mais ícones de um passado inatingível, irrepetível. Ontem, novos personagens escreveram uma nova e inesquecível história.

 

Fonte: O Globo

 


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