Seja qual for o desfecho do jogo em Lima, ficarão guardadas as imagens do mar rubro-negro pelas ruas do Rio na despedida do time. A romaria nos lembra que o futebol não é só o resultado, é uma experiência para se desfrutar no dia-a-dia.

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Esses tempos estranhos fizeram proliferar uma espécie de censura a manifestações de otimismo. Geraram um torcedor artificialmente comedido. Nossa sociedade superdimensiona a derrota, tratada como fracasso absoluto, a ponto de gerar neuroses: um tolo temor de se expor à gozação rival, mais medo da decepção do que alegria a cada vitória no percurso. O futebol não pode valer a pena só quando surge uma taça no fim do processo.

A procissão rubro-negra pode se explicar pela paixão, óbvio. Ou por tantas gerações que não testemunharam uma decisão deste porte, ou mesmo pela característica festeira do Flamengo. Mas o fenômeno retrata o estado de espírito com que o rubro-negro chega à decisão. Analogias à parte com o nome do torneio, esta final é como uma libertação.

O mar de gente se origina numa contagem regressiva alimentada por quase sete anos. As últimas conquistas do Flamengo soavam como espasmos de vitalidade de um clube que não era sustentável na elite competitiva: podia alternar um título nacional com uma luta contra o rebaixamento.

No fim de 2012, uma espécie de contrato foi proposto à torcida: uma travessia no deserto em troca de uma terra prometida ao final. E por terra prometida, entenda-se a construção de uma potência futebolística.

Só que o desembarque neste mundo novo era sempre adiado. À exceção de uma Copa do Brasil ganha com um time limitado, os três primeiros anos não permitiram sequer competir no Campeonato Brasileiro. Em 2015 chegou Guerrero, primeiro sinal de novas ambições, mas as limitações financeiras ainda estavam ali. Em 2016 chegou Diego e o time até liderou o Brasileiro, mas ainda não chegara o tal ano mágico. Em 2017 veio Éverton Ribeiro, 2018 trouxe o investimento recorde em Vitinho e, de novo, um período no topo da tabela. Mas o título escapava. Em meio a tudo isso, finais perdidas: Copa do Brasil, Sul-Americana… Até 2019 redefinir o conceito de poderio econômico.

Este Flamengo que comprometeu R$ 250 milhões no mercado de transferências, resultado da guinada gerencial, não parecia mais disposto a esperar. E o campo alimentou expectativas, afinal joga-se no Maracanã o melhor futebol das Américas. A viagem a Lima levou às ruas uma multidão que se vê às portas de alcançar a terra prometida.

É provável que, no Peru, pisem o campo dois times com humores distintos. O River Plate, que faz sua terceira final em cinco anos, tem a sobriedade típica de quem já esteve ali. Já o Flamengo vive um turbilhão de emoções, algo a ser controlado, mas que pode se converter em estímulo. O futebol preza tanto a calma quanto o senso de urgência.

A romaria de quarta-feira parece indicar que a final de amanhã é definidora do futuro do clube. Simbolicamente, talvez seja: em algum momento, é preciso romper a barreira das grandes conquistas. Mas o mundo rubro-negro não acaba sábado. Nada indica tratar-se, como antigamente, de um sucesso aleatório, de uma incursão isolada num grande palco. Mas como condenar a ansiedade de quem aceitou esperar?