A polêmica está de volta. Um projeto de lei que tramita no Senado quer proibir definitivamente a venda e o consumo de bebidas alcoólicas dentro dos estádios de futebol em todo território nacional. O motivo alegado é o de sempre: reduzir a violência nas praças esportivas. Mas o debate não se resume apenas a números de segurança pública. Há questões morais e financeiras envolvidas.

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Apesar de o Estatuto do Torcedor , desde 2010, tratar no artigo 13, parágrafo II, da proibição de bebidas que possam gerar ou possibilitar a violência, o entendimento jurídico não é claro. Atualmente, leis estaduais, como a do Rio de Janeiro, têm se sobreposto ao Estatuto, e há ações da Procuradoria-Geral da República no Supremo Tribunal Federal.

A ideia do senador Eduardo Girão (Podemos-CE), autor da PL 3788/2019, é justamente não dar mais brechas jurídicas. Além disso, a lei visa a endurecer as penas dos torcedores violentos para quatro anos de reclusão (aumenta em 1/3 para quem estiver alcoolizado). Hoje é de um a três anos. Há opção de penas alternativas.

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Aprovado por unanimidade na Comissão de Educação na última terça-feira, o projeto de lei segue para a Comissão de Constituição e Justiça em caráter terminativo. Se passar, vai ser votado diretamente na Câmara dos Deputados.

Sem unanimidade

Para convencer seus pares nas comissões, Girão se municiou de apoios e estudos recentes de alguns Ministérios Públicos estaduais, que são, em sua maioria, favoráveis à proibição:

? Será que a pessoa não pode passar um pouco mais de duas horas sem beber? O direito individual não pode se sobressair sobre o coletivo ? diz o senador, destacando que o Instituto Maria da Penha emitiu nota a favor da lei. ? Ela afirma que os casos de violência doméstica aumentam nos dias de jogos.

Entre os dados apresentados pelo senador, estão os de Minas Gerais. Houve redução de 45%, segundo o MP/MG. De 2007 a 2015, não era permitido o consumo e venda, com exceção dos jogos da Copa das Confederações (2013) e Copa do Mundo (2014). Naquela ocasião, a Lei Geral da Copa exigida pela Fifa ? patrocinada por uma grande marca de cerveja desde 2009? se sobrepôs à lei federal e abriu espaço para que os estados adotassem a abertura a partir de então.

Hoje, Minas permite o comércio e consumo somente fora das arquibancadas e até o intervalo do jogo ? medida semelhante à adotada na Inglaterra, que nunca proibiu totalmente. Bahia, Rio de Janeiro, Pernambuco, Santa Catarina, Ceará e Paraná também liberaram. São Paulo, Rio Grande do Sul, Goiás e Alagoas ainda proíbem. Recentemente, os governos paulista e gaúcho vetaram leis estaduais que liberavam a venda.

Pernambuco é um caso controverso. Nos dados do MP estadual, houve redução de 63% de atos violentos na comparação dos períodos. De 2005 a 2009, era liberado. De 2009 a 2015, foi proibido. Desde janeiro de 2016 voltou a ser permitido, mas, segundo um estudo de 2018 da Universidade Federal de Pernambuco, as ocorrências no Juizado do Torcedor foram menores nos anos de liberação. A média no primeiro período foi de 2,2 casos por jogo. Durante a proibição chegou a 4,42 por partida.

Gerente de comunicação do Novo Basquete Brasil (NBB), Guilherme Buso também questiona a proposta de Girão. Ele fez mestrado na Inglaterra sobre o assunto e tratou da percepção dos torcedores do Santos em jogos na Vila Belmiro em relação à cerveja. A maioria considerou que a liberação até estimularia mais a ida ao estádio.

? Decidi fazer a pesquisa após trabalhar num evento de corridas de cavalo. O consumo era muito alto e de bebidas com teor alcoólico bem maior. Se o torcedor bêbado é violento por si só, bastaria colocar um bafômetro na entrada ? argumenta.

Perda financeira

Para os agentes de segurança que estão no front do problema, seria positiva a proibição de bebida alcoólica dentro do local do jogo e no entorno.

? Pela nossa experiência, reduz o número de desacatos, acirramentos, vandalismo, brigas dentro do estádio e confusões na entrada. Mesmo que seja permitido beber do lado de fora, aquelas horas passadas sem consumir álcool diminuem os efeitos ? afirma o comandante do Batalhão Especial de Policiamento dos Estádios (Bepe), tenente-coronel Silvio Luiz.

Quem discorda da relação direta entre violência e bebida, porém, aponta como principal problema a falta de controle e punição das torcidas organizadas.

? Estudos da época do hooliganismo mostram que a violência nos jogos tem mais a ver com cultura da agressão e masculinidades. Na Argentina, é proibido o consumo, e nem por isso a violência tem diminuído ? afirma o sociólogo mexicano Fernando Trejo, que estuda violência no futebol sul-americano.

O comandante do Bepe concorda que o caso das organizadas é diferente. O nível alcoólico não interfere nos atos de violência:

? Eles vão brigar de qualquer forma.

O lobby do mercado também é pesado. Atualmente, a Brahma patrocina  21 clubes brasileiros, sendo 14 da elite. A cervejaria detém a concessão de venda no Maracanã. Um dos argumentos é justamente a perda financeira dos clubes e dos estados com tributação. A empresa não quis comentar. Para Girão, a arrecadação dos impostos não compensa os custos com segurança e os problemas de trânsito (mais acidentes).