Clima de guerra. Assim pode ser definido a atmosfera que marcou o clássico Botafogo e Flamengo, no Nilton Santos, na noite de quinta-feira, pelo Campeonato Brasileiro. A tensão que se instaurou entre os torcedores antes do jogo foi sentida por Roberto Nascimento, um dos mais de 100 seguranças que estavam do lado de dentro do estádio para coibir qualquer tipo de briga ou violência. O carioca, de 38 anos, se tornou personagem do jogo após ajudar a salvar um torcedor que foi brutalmente espancado no Setor Oeste por dezenas de alvinegros. Há dois anos, na final da Copa Sul-Americana de 2017 , o segurança estava no Maracanã quando aconteceu a invasão no duelo entre o Rubro-Negro e o Independiente, da Argentina.
Final em Lima: O que fazer com ingressos, passagens e hotel
Dos 15 anos de trabalho como segurança, quatro são em grandes eventos, principalmente em partidas de futebol no Rio de Janeiro, Nascimento nunca sentiu tanto medo e viu tanta violência em uma noite. Antes do clássico, os seguranças receberam a orientação de que torcedores do Flamengo estariam infiltrados na ala do Botafogo, já que os três mil ingressos destinados aos rubro-negros se esgotaram. Todos deveriam ficar com os olhos abertos para o que acontecesse nas arquibancadas, principalmente com as pessoas que estavam à paisana. Do lado de fora, os alvinegros proibiam a entrada de qualquer torcedor que não parecesse botafoguense.
? Foi uma sensação de guerra, de ódio e até de impotência. Tinha torcedor que nem olhou o jogo, ficava andando de um lado para o outro olhando os que estavam à paisana. Se desconfiavam, eles abordavam, faziam cantar o hino, mostrar tatuagem e os celulares, para verificar fotos e grupos. Aí começavam as agressões e brigas, porque descobriam que eram torcedores do Flamengo – diz o segurança, que acrescentou:
? Enquanto a gente ajudava uma pessoa, outra apanhava. Pouca gente para muitos problemas ao mesmo tempo.
Nascimento comparou o jogo entre Botafogo x Flamengo com a final da Sul-Americana, que também foi marcada pela violência, correria e muitos torcedores invadindo o Maracanã sem pagar pelos ingressos. Para ele, a violência no clássico superou a da decisão de 2017. Os seguranças recebem dois tipos de orientações, um para caso de invasão, e outro para conter brigas e agressões.
? Aquele jogo foi diferente. As pessoas queriam só entrar para ver o jogo. Até foi fácil comparado a esse de ontem. Nos cursos, somos orientados a nos protegermos quando há o efeito manada, nos retirarmos e encostarmos na parede para deixá-los passar. No jogo de ontem, só queriam bater no torcedor do Flamengo e tivemos que entrar nas brigas para proteger as pessoas.
Torcedor do Botafogo, o segurança não frequenta mais os jogos do próprio time justamente por estar dentro do futebol e ver os perigos na atmosfera dos estádios. Além de fazer parte da empresa que atua no Nilton Santos, ainda trabalha em outra que cuida da segurança dos jogos do Flamengo, no Maracanã, e nos jogos do Vasco, em São Januário. Por isso, não se sente mais confortável e, claro, seguro de estar no meio da sua torcida. Nem mesmo a única filha, de 14 anos, ele deixa ir aos jogos. A última vez que isso aconteceu, a menina tinha apenas dois anos.
– Por trabalhar com a segurança, eu sei que tudo que está envolvido, toda a tensão. Hoje em dia está complicado, os torcedores confundem. Pela minha integridade, eu não vou mais. Eu procuro outro lazer – diz.
Torcedor botafoguense
Integridade violada foi algo que Sergio Fernando Pacheco teve ao tentar sair do Nilton Santos. Confundido como torcedor do Flamengo, já que é botafoguense desde sempre, o taxista de 38 anos foi espancado no Setor Oeste quando saía do banheiro, logo após o gol do Rubro-Negro. Nas redes sociais, várias imagens da brutalidade sofrida pelo torcedor foram compartilhadas, inclusive com a informação de que ele era flamenguista.
Mesmo vestindo a camisa do Botafogo, ele teve a mesma arrancada, um celular roubado do bolso direito da calça e um cordão tirado do pescoço. Sem dinheiro, sem documentos, sem nada. Sergio só apanhou com vários objetos, além de socos, chutes e tapas.
Morador de Bangu, ele foi sozinho ao estádio e ficou desacordado com após a quantidade de chutes e socos que recebeu. Levado ao Hospital Souza Aguiar, no centro do Rio, recebeu atendimento e, depois de passar por exames de imagem, foi liberado na manhã desta sexta-feira. Se recupera em casa, tem escoriações pelo corpo, um dente quebrado, dores de cabeça e nada quebrado. Mas está vivo.
– Ele levou muita pancada na cabeça. Não sei como está vivo, está vivo por milagre. sinceramente, é vandalismo puro ? diz a esposa dele, Ana Paula, que também é botafoguense. – Ele foi espancado pelos próprios torcedores. Na verdade, não creio que são torcedores, são bandidos no lugar de torcedor. Sempre vamos aos jogos, costumo ir com o meu filho, graças a Deus não fomos lá ontem.
O taxista não ficou desacordado após uma pancada na cabeça e não lembra o que aconteceu entre o período que apanhou e chegou até a casa de um amigo, que o levou a um hospital. A mulher só soube do ocorrido após a ligação do amigo.
Assustada e revoltada, Ana Paula afirmou que nunca mais vai ir ao estádio e nem vai levar o filho, que joga futebol e vai se federalizar um clube pequeno do Rio.
? Uma situação muito triste. Sempre fomos ao estádio de forma sadia, boa, nunca tivemos problemas. Fiquei com o coração na mão com o que o aconteceu com o meu marido, com a falta de segurança absurda. A gente paga ingresso e é agredido. Meu filho não pisa no estádio e nem eu. O Sergio é maior de idade, faz o que quer na vida dele.
Nascimento ajudou na retirada do torcedor no momento do espancamento. Nas imagens, ele aparece afastado de Sergio, mas na proteção para que os torcedores não chegassem até ele para agredir. Mesmo assim, ambos receberam socos e chutes. O torcedor botafoguense ficou desacordado, enquanto o segurança alvinegro levou uma pancada na cabeça e chute na costela.
? Ele ficou inconsciente, muito machucado, sangrando demais. Eu e meus colegas conseguimos levar ele até um bombeiro para ser atendido, mas no meio do caminho, os torcedores nos batiam para soltarmos ele.
Com um galo na cabeça e dores no corpo, o profissional foi procurar ajuda médica. Mesmo com a repercussão nas redes sociais na qual foi chamado de “herói”, ele mesmo não se vê nesse papel.
? Esse título não me cabe. Eu só fiz o meu papel. O segurança está ali para preservar o patrimônio e quem adentra dentro dele. Todos que estavam ali eram responsabilidade da segurança, tanto os torcedores do Botafogo quanto do Flamengo. Só fiz o meu papel normal, como profissional e como ser humano ? disse o segurança.
Fonte: O Globo