Por boa parte da noite desta quinta-feira, foi até difícil olhar para o campo, pensar no jogo. Era mais forte a reflexão sobre em que momento perdemos nosso último vestígio de tolerância, de capacidade de convivência. O futebol como fenômeno capaz de reunir pessoas em torno de suas paixões foi mais uma vez goleado.

Por pouco as agressões covardes nas arquibancadas não ofuscaram a história escrita no campo. O esforço admirável do Botafogo no primeiro tempo, seus momentos de superioridade, a resistência com um homem a menos na etapa final e, quando a vantagem do Flamengo no campeonato parecia prestes a diminuir, o gol de Lincoln, a um minuto do fim do tempo regulamentar, manteve o rubro-negro no caminho de seu sétimo título brasileiro.

Mas é importante pensar no que aconteceu fora do gramado. Dentre tantas as mazelas do futebol, ganhou terreno um certo orgulho de transformar estádios próprios ou de setores de arquibancadas em territórios hostis. Ali um grupo se atribui o poder de impor uma lei própria, violenta. Autoproclamados justiceiros vigiavam quem cometia o terrível crime de assistir ao jogo sem o uniforme do dono da casa. Nem era necessário vestir rubro-negro, bastava não estar de alvinegro. Assim que os justiceiros decidissem estar diante de um torcedor rival, começava o linchamento, o espancamento.

Era como se assistir a um jogo sem a roupa predeterminada, sem o comportamento decidido pelos donos do lugar, tivesse virado comportamento passível de punição. Cenas difíceis de digerir, chocantes. Boçalidade explícita. Era como se o Nilton Santos tivesse voltado à Idade Média.

Tempos distintos

E, diga-se de passagem, por vezes o campo não colabora. Só reforça a sensação de que se trata mesmo de uma guerra. Por 30 minutos, houve mais truculência do que jogo. Entradas duras, discussões e uma pequena assembleia para discutir cada decisão do árbitro.

No que houve de jogo até o intervalo, foi melhor o Botafogo. Uma atuação que poderia até orgulhar a torcida, ao menos os que não estivessem dedicados a caçar rivais. O alvinegro fazia o Flamengo provar de seu habitual veneno. Marcação adiantada e agressiva, impedindo que a bola circulasse como o rubro-negro gosta. Por vezes, ligação direta para Luiz Fernando às costas da defesa do Flamengo; outras, para Alex Santana ou Cícero brigarem no alto. Diego Alves salvou bola de Igor Cássio e Marí evitou gol de Luiz Fernando.

Mas já havia sinais de que o esforço alvinegro cobraria um preço físico. A intensidade caía e o Flamengo começava a dominar. Algo mais claro no segundo tempo, em especial após Luiz Fernando ser expulso e o Botafogo perdeu seu único escape de velocidade.

Jorge Jesus foi lançando armas ofensivas e o rubro-negro ocupou de vez o campo de ataque. O time que chegou ao gol tinha Lucas Silva na ponta-direita, Gabigol e Lincoln no centro do ataque, Bruno Henrique na esquerda e Éverton Ribeiro como meia. Além da presença dos laterais.

A pressão era imensa, algumas boas chances haviam sido perdidas, quando Bruno Henrique achou um raro espaço para arrancar no minuto final. O cruzamento achou Lincoln e o Flamengo manteve seus oito pontos de vantagem para o Palmeiras.