Desfazer um clichê no futebol brasileiro não é tarefa fácil, mas os novos tempos vêm se encarregando da hercúlea tarefa. A velha frase de que clássico não tem favorito, ao menos no Rio, vem sumindo até das previsíveis entrevistas antes de cada partida, apesar de alguma resistência por parte de técnicos e jogadores que não arriscam uma declaração mais ousada. No clássico desta quinta-feira, o favoritismo está tão claro quanto os pintados cabelos de Gabigol ? que volta ao Flamengo após suspensão ? e os olhos de Carli, capitão e zagueiro do Botafogo.

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Os times se reencontram no Nilton Santos em momentos distintos, mas coerentes. Enquanto o favorito Flamengo finalmente colhe em campo ? ainda que só no último semestre ? os frutos do investimento e bom momento nos cofres do clube, o rival alvinegro sofre na pele e na tabela, também na segunda metade da temporada, as consequências do fundo de poço financeiro.

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O duelo da 31ª rodada coloca, frente a frente, um clube com uma dívida líquida calculada em R$ 657 milhões contra outro que, recentemente, anunciou valor parecido ? R$ 652 milhões ?, mas de receita conquistada só nos primeiros nove meses de 2019. Em campo, os números pelo Brasileiro não espantam a sensação que o jogo de hoje é um confronto entre um Golias em ótima fase contra um endividado Davi.

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Prestes a completar um turno do campeonato invicto e a fazer sua maior pontuação na história do Brasileirão ? basta não perder hoje ?, o Flamengo tem mais que o dobro de pontos e o triplo de vitórias do que o Botafogo. No returno, o time do técnico Jorge Jesus fez 29 pontos. O de Alberto Valentim, apenas seis.

Com os reservas, Botafogo venceu o Fla em 1997 Foto: Ricardo Leoni/26-03-1997
Com os reservas, Botafogo venceu o Fla em 1997 Foto: Ricardo Leoni/26-03-1997

? A vida do Flamengo hoje é uma, a do Botafogo é outra. Mas em clássico isso não existe ? afirma Bruno Henrique, apesar de ter, junto com Gabigol, seis gols a mais que todo o elenco do rival. ? O Flamengo vai defender o dele, fazer o que estamos fazendo, e o Botafogo vai tentar fazer o melhor jogo deles. Todos querem ganhar do Flamengo. Dentro do jogo não entra o lado financeiro.

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Historicamente supersticioso, o torcedor do Botafogo tem poucos motivos para ser otimista hoje, mas é justamente na saborosa história do clássico que ele pode se fiar. O Botafogo já enfrentou momentos de amplo favoritismo do Flamengo em clássicos e celebrou, até por isso, vitórias inesquecíveis.

Olho na história

Há 40 anos, por exemplo, coube ao Botafogo encerrar a sequência de 52 jogos sem perder do rival, vencendo por 1 a 0 e mantendo, junto com o rubro-negro, o seu recorde de maior tempo sem perder (também 52 jogos, entre 1977 e 1978). Hoje, o time de Jorge Jesus já leva 21 partidas sem derrota.

No Estadual de 1997, já classificado para a final, o alvinegro entrou com o time reserva, causando revolta no Vasco, que seria eliminado em caso de vitória do Flamengo. Deu Botafogo, 1 a 0. Um caso mais recente aconteceu em 2010, quando um Flamengo ainda recém campeão brasileiro e empolgado com o Império do Amor ? Vágner Love e Adriano no ataque ? perdeu uma semifinal de Taça Guanabara para um combalido Botafogo, que semanas antes tomara 6 a 0 do Vasco em casa.

Em 2010, Botafogo do talismã Caio venceu o favorito Flamengo do
Em 2010, Botafogo do talismã Caio venceu o favorito Flamengo do “Império do Amor? Foto: Cezar Loureiro/17-02-2010

? O Flamengo passa por um momento ótimo, não só no ataque. Tem jogadores com muita qualidade, temos que entrar concentrados. Temos muito para trabalhar, é um jogo que exige concentração ? diz um consciente Carli, sabendo que, como há nove anos, os nomes do ataque são os que mais preocupam.

Apesar da história e da superstição parecerem pequenas diante do abismo da realidade do presente, diretoria e torcida alvinegra escolheram não abaixar a cabeça. A manutenção do acordo de apenas 10% da carga para a torcida visitante, mesmo com o caixa vazio, e os 16 mil ingressos vendidos antecipadamente (sendo três mil para os rubro-negros) mostram uma vontade alvinegra de resistir e cumprir com orgulho o papel de rival local.

Em campo hoje, Luiz Fernando e Willian Arão são símbolos de uma rivalidade que insiste em seguir. O atacante alvinegro é o responsável pela mais recente grande alegria alvinegra contra o rival. Ano passado, eliminou um Flamengo já cheio de dinheiro e expectativa na semifinal do Estadual, e comemorou tapando o nariz, em alusão ao “cheirinho?. Já o volante Willian Arão, xodó da torcida rubro-negra atualmente e ex-jogador alvinegro, é figura central de uma briga judicial entre os dois clubes que recentemente terminou com condenação para o jogador, mas não nos termos que o Botafogo queria. Personagens que mantém uma história de rivalidade centenária, que hoje pode até ter um final provável, mas não definitivo. Há sempre um próximo clássico a disputar.