Aos 31 minutos do segundo tempo, Gabigol faz um desarme no campo defensivo do Flamengo e parte em desabalada carreira. Aos 44, jogo decidido, o mesmo Gabigol surge obstinado em bloquear uma saída de bola do rival. Clássico encerrado, todo o elenco rubro-negro está de mãos dadas, no centro do campo, saudando a torcida. Três imagens que mostram que este Flamengo de Jorge Jesus é diferente de tudo que já se viu por aqui.
Porque as duas primeiras retratam não só a intensidade, a forma voraz como disputa cada bola e asfixia os oponentes. E a terceira, um chamamento à torcida, adverte que aquele mesmo time faria, 72 horas depois, o jogo mais importante do clube em décadas. E, mesmo assim, o Fla-Flu de um Brasileiro liderado com alguma folga foi disputado como se não houvesse amanhã.
Jorge Jesus até poupou Willian Arão e, ao colocá-lo, tirou Gérson, alternando o uso dos meias. E Filipe Luís, que vem de lesão, atuou por 69 minutos. No mais, jogaram 90% do time titular, alguns que acumulam muitos minutos nas costas, ou nas pernas. Uma gestão de elenco que desafia hábitos brasileiros. Para completar, os refletores do Maracanã não puderam ser apagados porque, 25 minutos após o apito final, os reservas do Flamengo treinavam no gramado.
O Grêmio, por sua vez, poupou os titulares no sábado. A semifinal da Libertadores irá opor duas visões distintas. O que não significa que irá desqualificar qualquer uma delas.
Em campo, o Fla-Flu foi, em 70% do tempo, o que se esperava. Primeiro, porque os times deste Brasileiro têm dificuldade em lidar com a pressão ofensiva do Flamengo e com o ritmo dado ao jogo. E ontem, além do abismo na concepção de jogo, havia o abismo técnico. Para piorar, a forma como o Fluminense se organiza sem a bola, ou a forma como não se organiza, era um convite.
A linha defensiva tricolor, além de se desordenar facilmente, jamais acompanhava meias e atacantes quando estes pressionavam à frente. Assim, o time batia recordes de espaçamento e buracos entre as linhas. Pênalti não marcado à parte, não é fácil explicar como o Flamengo só marcou uma vez no primeiro tempo, em córner originado de uma pressão quase na linha de fundo tricolor, feita por Gabigol. Após cada retomada de bola, um time móvel, organizado em torno da bola, confundia a defesa do Fluminense. Éverton Ribeiro fez ótima partida, assim como Gérson, Gabigol e Bruno Henrique. E Reinier voltou a deixar boas sensações ao entrar.
Mas futebol é curioso. Nem todo o jogo foi um massacre total: o Flamengo teve muitas chances na primeira etapa e um controle absoluto na segunda. Só que, antes do intervalo, houve muita ação também na área rubro-negra. Isto porque, se era caótico sem a bola, o Fluminense tinha um plano com ela. Ganso e Nenê, que no momento defensivo ficavam mais avançados, por terem menos dinâmica, retrocediam alguns metros na hora de atacar. Mais velozes, Nem e Yony passavam a forçar a linha defensiva rubro-negra, que joga adiantada. E criaram problemas. Diego Alves terminou o jogo com três excelentes defesas e Yony ainda perdeu boa chance. O Athletico-PR já criara problemas ao Flamengo com homens velozes forçando sua linha defensiva.
É um alerta. O Grêmio, que sofreu para sair jogando em Porto Alegre, tentará superar a marcação avançada do Flamengo para abrir campo e explorar seus homens de frente, como Éverton. O desafio rubro-negro será manter a pressão no rival sempre intensa e ordenada, negando espaço e tempo para os passadores gremistas articularem jogadas. É um risco inerente a um sistema corajoso e que traz inúmeros outros benefícios. Afinal, o futebol será sempre um cobertor curto.
Fonte: O Globo