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Ouro de Ygor Coelho no badminton pode salvar projeto que o revelou em favela do Rio



Ao ver, pela TV, Ygor Coelho derrotar o canadense Brian Yang por 2 sets a 0 e conquistar o ouro do badminton no Pan de Lima, Sebastião de Oliveira teve sentimentos distintos. Por um lado, foi tomado pelo orgulho de saber que o filho fez história. Pela primeira vez um brasileiro subia ao lugar mais alto do pódio na modalidade. Empolgado, o professor de 53 anos formou um trenzinho com a família e circulou pela casa. Mas, ao mesmo tempo, sentiu um aperto no peito:

– O que passou pela minha cabeça foi: “Caramba, muitas crianças da comunidade verão que saiu daqui um campeão pan-americano e vão querer se inspirar nele”. Mas, apesar da medalha do Ygor, não tenho mais condições de atender a todos.

A visibilidade que o ouro de Ygor proporciona pode representar a última chance de salvação para o Miratus, criado por Sebastião na favela da Chacrinha, Zona Oeste do Rio, e que revelou o jovem de 22 anos. Badalado e reconhecido internacionalmente, o projeto virou motivo de apreensão.

– Eu tinha 20 funcionários. Hoje, estou sozinho – confessa. – No início do ano eram 240 atletas. Caímos para 80.

O drama do Miratus é, principalmente, financeiro. Ele não conta com incentivo público. A Nissan, montadora de automóveis que o patrocinava, mudou as diretrizes em relação a este tipo de investimento e encerrou a parceria no mês de março. Hoje, Sebastião só conta com a Gol, que banca as viagens para competições nacionais, e com a Decathlon, forncedora de material esportivo.

– Mas com que dinheiro pago as inscrições dos atletas nos campeonatos? Como faço com as hospedagens deles? E com alimentação? – questiona. – Tiro muita coisa do meu próprio bolso. Sou funcionário do colégio Pedro II. É de onde sai o meu sustento. Recentemente, tive que pegar R$ 70 mil emprestados no banco. Estou pagando R$ 1.500 por mês.

As preocupações de Sebastião não param aí. Atualmente, ele dá as aulas de badminton sozinho. E diz que as de português, matemática e inglês foram suspensas por falta de professor. Além de esportivo, seu projeto tem um forte cunho social.

– Quantos talentos temos dentro da comunidade e podemos evitar que se percam? Mas, quando eles deixam de participar de uma competição por falta de dinheiro para inscrição, acabam se frustrado. Nestas condições, como vou concorrer com a máquina de sedução do tráfico?

A capacidade de captação de jovens pelas facções lhe preocupa. Assim que encerrou o contato com a reportagem, Sebastião enviou por Whatsapp um vídeo que circula pela Chacrinha no qual, ao som de um funk, adolescentes armadas e com cordões dourados rebolam para, de acordo com ele, traficantes. A concorrência com o mundo do crime tem lhe proporcionado derrotas mais dolorosas do que as sofridas em quadra. No ano passado, LM, um de seus alunos, desistiu de seguir os passos de Ygor . Rendeu-se ao tráfico.

– Pouco tempo depois, morreu assassinado. E da forma mais cruel possível – conta.

Relação ruim com CBBd

A situação evidencia outro problema: o mau relacionamento com a Confederação Brasileira de Badminton (CBBd). Além da falta de patrocínio, Sebastião reclama que é difícil manter os atletas estimulados se os critérios de convocação para a seleção junior não são claros.

– Não é pelo ranking. É pela vontade da treinadora.

Explica-se: nos torneios internacionais de base, as convocações para as disputas entre seleções são feitas pela técnica Norma Rodrigues, com autonomia para chamar quem bem entender. Apenas para as individuais é que prevalece a ordem de pontuação no ranking. Mas, neste caso, a confederação custeia de forma integral, no máximo, dez atletas (divididos pela metade entre os dois gêneros). Os demais precisam arcar com as próprias passagem, hospedagem e alimentação. Caso não possuam recursos, cedem a vez para o próximo que possa pagar.

– Hoje, estas são as regras. Pode existir erro na convocação? Sim. Ninguém é infalível. Mas, se quiserem mudar, basta as federações apresentarem uma proposta. A confederação até poderia, mas não impõe este regulamento. E se ele se mantém ano após ano, é porque entendem ser o mais adequado – defende José Roberto Santini, superintendente da CBBd:

– Se não gastamos mais com a base é porque trabalhamos com recursos limitados. O que temos, precisamos investir mais na ponta para termos resultados. E 10% do orçamento anual é usado só com o filho dele. O Ygor vai disputar o Mundial (no fim do mês, em Basel-SUI) com a ajuda da confederação.

Sebastião de Oliveira ensina badminton na favela da Chacrinha Foto: Alexandre Cassiano / Agência O Globo
Sebastião de Oliveira ensina badminton na favela da Chacrinha Foto: Alexandre Cassiano / Agência O Globo

 

Inconformado com a convocação da seleção para o último Pan-americano junior da modalidade, disputado em julho, no Canadá, Sebastião elaborou e entregou à confederação um documento no qual se queixava por, entre os atletas chamados para a competição, a maioria não estar entre os melhores ranqueados. Em quase todos os casos, tratava-se de jogadores do Joca Claudino, clube do Piauí, estado do presidente da CBBd, Francisco Ferraz de Carvalho.

Um episódio ilustra bem o distanciamento entre Sebastião e a entidade. Após a Olimpíada de 2016, todo o material utilizado no torneio de badminton (de máquinas a tapetes) foi doado à confederação, que os distribuiu. Embora também esteja na capital fluminense, o Miratus não recebeu. Boa parte dos equipamentos foi para os CTs de Americana-SP, onde treina a seleção adulta (com exceção de Ygor, que vive na Dinamarca e conta com uma treinadora local, Nadya Lyduch, paga pelo Comitê Olímpico do Brasil e pela CBBd) e de Teresina. Este último, administrado pela Universidade Federal do Piauí, encontra-se fechado por problema no repasse da verba federal para a instituição.

– O Ygor fica frustrado com esse racha – revela uma fonte ouvida pela reportagem que não quis se identificar.

Nesta sexta, no entanto, o carioca era só sorrisos. Afinal, ele viveu o momento mais alto de sua carreira. Ao marcar o ponto final, deitou-se no chão e, por alguns instantes, pareceu estar longe dali.

– O projeto do meu pai, pessoas que perdi para o tráfico, meus amigos, pessoas que estão lutando pelos seus sonhos… Morar fora do país, passar frio, sem comer e sem dormir direito pensando se vai dar certo. Tudo isso desabou depois do último ponto – contou.

*O repórter viajou a Lima a convite da Promperú

Fonte: O Globo


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