A cena de tão patética é inesquecível: o multicampeão de vôlei Maurício Lima tremula uma bandeira do Brasil totalmente fora dos padrões. Era a cerimônia de abertura dos Jogos Pan-Americanos de Santo Domingo-2003. Sintoma da organização amadora que caracterizou várias edições dos Jogos.
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Neste ano, o Pan ocorre em um momento complicado do calendário esportivo. A competição em Lima tem início hoje, com o Mundial de esportes aquáticos em pleno andamento. Isso inviabiliza pleno rendimento a vários atletas, que ainda terão que passar por uma rápida adaptação do fuso horário da Coreia do Sul para o Peru (diferença de 14 horas) para competir nos Jogos.
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Lima terá seu torneio de vôlei disputado de forma concomitante ao Pré-Olímpico masculino, competição mais importante neste ano para a seleção, que busca a vaga em Tóquio-2020. Já o classificatório feminino termina a tempo de ao menos parte da equipe competir em Lima. Ou seja, teremos time B masculino e mistão feminino em Lima em uma das modalidades em que o Brasil seria favorito ao ouro.
O Mundial de atletismo, por sua vez, será em Doha, no Qatar mais de um mês após o Pan. É um alento, mas inviabiliza a participação dos mesmos atletas em provas longas e desgastantes, como maratona ou marcha atlética.
Até o judô, terceiro esporte mais medalhado pelo Brasil em Pans, terá seu Mundial próximo, a partir de 25 de agosto, em Tóquio, prejudicando a participação nacional em Lima.
Competição surgida para congraçar o esporte nas Américas, o Pan hoje é pouco atraente para as principais estrelas. Reconhecidos como os maiores atletas da história olímpica, Michael Phelps e Usain Bolt nunca disputaram a competição continental. Foram direto para o vestibular olímpico. Passaram com louvor.
Para que serve o Pan?
Gafes, desfalques, desgaste, calendário carregado, esvaziamento. Esses fatores todos fazem muitos chamarem o evento, de maneira pejorativa, de Jogos Abertos do interior falado em espanhol.
Então, para que serve o Pan?
Nem tudo é tão desimportante nos Jogos. No passado, heróis olímpicos foram postos à prova nos Jogos das Américas. Foi o caso de Adhemar Ferreira da Silva. Já recordista mundial e um ano antes de conquistar o primeiro ouro olímpico no salto triplo, em Hensinque-1952, o brasileiro venceu a prova no Pan de Buenos Aires, na primeira edição dos Jogos.
João do Pulo assombrou o mundo ao saltar 17,89 m na mesma prova na Cidade do México-1975. O recorde mundial demorou dez anos para ser quebrado.
Em 1979, o mesmo João do Pulo subiu ao alto do pódio para receber o ouro no salto em distância. Dois degraus abaixo estava um certo Carl Lewis, futuro detentor de nove ouros olímpicos.
Indianápolis-1987 viu a seleção masculina surpreender os Estados Unidos na final. A vitória da geração de Oscar e Marcel sobre o time norte-americano, que tinha como destaques o pivô David Robinson, detonou profunda crise na terra do basquete.
O time naufragou na Olimpíada de Seul, no ano seguinte, ficando fora da final pela primeira vez na história (a exceção tinha sido em Moscou-1980, quando os EUA boicotaram os Jogos). Novo bronze obtido no Mundial da Argentina-1990 levou à decisão de aceitar os profissionais da NBA na seleção, algo que mudaria profundamente a modalidade.
Em Toronto-2015, na última edição do Pan, o ex-velejador Torben Grael, pai de Martine Grael, decidiu levar a filha para a disputa. Martine e Kahena Kunze tinham sido campeãs mundiais na classe 49er FX em 2014. Torben estava preocupado que a estreia da dupla em uma competição multidisciplinar fosse com a pressão da Olimpíada do Rio 2016. Queria proporcionar a experiência do Pan.
Mesmo sem enfrentar um nível de competição tão alto, as brasileiras ficaram apenas com a prata no Pan. Mas valeu a experiência. No ano seguinte, elas ganharam o ouro olímpico.
Não bastasse a importância em dar rodagem aos atletas, o Pan de Lima-2019 tem como atrativo especial valer classificação olímpica em 22 modalidades, um recorde na história dos Jogos. Modalidades como handebol, hipismo, pentatlo moderno, polo aquático, tênis, tênis de mesa, tiro com arco e tiro esportivo valem vaga direta aos campeões.
No momento, a menos de um ano da próxima Olimpíada, o Brasil já tem 41 atletas classificados para os Jogos de Tóquio-2020. Se a expectativa for cumprida em modalidades em que o país é favorito, esse número pode mais do que dobrar neste Pan.
Objetivo do COB
Embora esteja de olho na conquista do segundo lugar no quadro geral de medalhas no Pan de Lima, o Comitê Olímpico do Brasil afirma, oficialmente, que o objetivo principal é classificar o maior número de atletas para a Olimpíada de Tóquio, no ano que vem.
? Vinte e duas modalidades terão vaga de forma direta, índice ou ganho de pontuação no ranking mundial que aceleram ou bonificam o atleta para Tóquio-2020 ? diz Jorge Bichara, diretor de esportes do COB, de olho em aumentar a delegação olímpica.
Há modalidades em que a classificação olímpica é considerada quase uma obrigação, como o handebol feminino, atual pentacampeão pan-americano.
? As classificações diretas são nosso principal objetivo, principalmente handebol, hipismo, polo aquático e tiro ? diz Bichara.
A segunda posição no quadro geral de medalhas, porém, não é um sonho distante. Essa colocação foi obtida pelo Brasil apenas uma vez, em São Paulo-1963.
Em Toronto-2015, na última edição do Pan, a delegação nacional conquistou vantagem significativa de seis ouros sobre Cuba, outrora um bicho-papão no Pan. Ficou distante do Canadá, que competiu em casa. Em Lima, essa briga deve ser mais acirrada.
? Não estabelecemos o segundo lugar como meta. Nas últimas edições, o Brasil tem obtido a terceira colocação. Mas estamos com uma equipe de excelente qualidade ? pondera o dirigente.
Fonte: O Globo