E no fim das contas,a seleção que, a cada fim de ciclo mergulha na paranoia de que o país parou de produzir talentos, venceu a Copa América com mais de meio time que, em 2022, no Qatar, terá no máximo 31 anos.
Venceu, é verdade, regida por um brilhante Daniel Alves, do alto de seus 36 anos. Mas com uma demonstração de personalidade e agressividade de Gabriel Jesus, que tem só 22. Venceu porque, quando o Peru ameaçava dominar o meio-campo, Arthur, também de 22, teve momentos imperiais de controle e inteligência. Venceu porque Éverton combinou ousadia e instantes de rebeldia aos 23 anos.E venceu com um sistema defensivo sólido, que tem em Marquinhos, 25, um de seus pilares.
E venceu não porque “se livrou de Neymar?, mas apesar de sua ausência. Havia uma narrativa pronta que merece ser logo desmontada: é justo dizer que a seleção tenha ficado menos vulnerável a fatores externos diante da situações vividas recentemente pelo astro. Mas, com Neymar, qualquer time do mundo tende a ser melhor.
Nada disso pretende sugerir que o Brasil tem um time pronto para um Mundial de 2022, ou que não há problemas a enfrentar, porque há, em especial ao atacar. Pondera-se, sim, que há um caminho e há talentos. Um ano após a Copa, o Brasil ganha um título com seis titulares diferentes.
A Copa América é hoje um torneio de exigência técnica insuficiente como parâmetro para duelos com as maiores forças do planeta. Mas um ciclo se inicia. Então, é momento de ter projeto, manter treinador e trabalhar. Pode haver menos extraclasses do que em outros momentos, mas sobram jogadores de elite.
E futuro à parte, finais como a de ontem são um fim em si mesmas. E o Brasil que vem de traumas precisa de noites assim: Maracanã cheio e final feliz, sem frustrações. Estas se tornaram quase insuportáveis para o futebol brasileiro. Por vezes, o que se evita é tão importante quanto o que se conquista.
Por pouco a torcida não se impacientou, é claro, porque a final não foi fácil. E porque vivemos um eterno conflito entre realidade e fantasia. Nunca fomos colecionadores de Copa América, mas criamos a fantasia de que, no passado, a seleção sempre encantou. Se assim fosse, não seria parte do anedotário nacional a longa lista de vaias à equipe.
O jogo mostrou virtudes e estabeleceu uma agenda para o futuro. O Peru apostou novamente na marcação adiantada e incomodava o Brasil. Em jogos de imposição física, o meio-campo brasileiro tende a sofrer para retomar a bola, porque Coutinho participa pouco. Sua posição é um tema a rever.
A agenda para 2022
O controle retorna graças a dois fatores. Primeiro, o trio Marquinhos-Thiago Silva-Casemiro sufocou Guerrero, que faz o ataque do Peru funcionar. A seleção de Tite se defende muito bem.
O outro, Arthur começou a ditar o ritmo e controlar a bola. Para completar, veio o gol que deve ter dado prazer especial a Tite. É questionável se Gabriel Jesus oferece seu melhor recebendo tantas bolas preso à ponta. Mas foi por ali que fez a grande jogada para servir Everton.
O domínio tático do jogo era total quando o Peru empatou em pênalti mal marcado, cobrado por Guerrero ? Thiago Silva usou o braço para se apoiar no chão, e a regra o exime da falta. Mas o Brasil chutava pouco, o que revela outro desafio a enfrentar: falta fluência para atacar rivais posicionados atrás, talvez porque o modelo atual permite menos liberdade de movimentos. E o momento ruim de Coutinho o torna ansioso, impreciso. Por sorte, um desarme de Firmino, um grande lance de Arthur e o gol de Jesus recolocaram logo o Brasil à frente.
Outro ponto positivo deste time é o contragolpe. Parecia pronto para matar o jogo quando Jesus foi expulso em decisão rigorosa. Começava ali um jogo de resistência, bem resolvido com a entrada de Militão, passando Daniel Alves para a ponta. Até que um pênalti duvidoso, cobrado por Richarlison, liquidou a fatura.
Há desafios para 2022. Mais do que achar laterais, pode ser preciso: substituir um Daniel Alves que se tornou um dos principais armadores do time; definir o papel de Neymar, se pelo lado ou mais central, como no PSG; melhorar a forma de atacar rivais fechados; observar jovens como Vinícius Júnior, Rodrygo, Paquetá… Não é pouco, mas é melhor fazê-lo com uma taça ganha do que com outra frustração.