Paolo Guerrero personifica a relação entre Brasil e Peru como poucos. Depois de passagens de destaque pelos dois clubes mais populares do Brasil – Corinthians e Flamengo – o centroavante encontrou a paz no Internacional para dar a volta por cima após a suspensão da Fifa por doping, e é um dos principais personagens em campo na final da Copa América, neste domingo, contra o Brasil.
Os últimos meses da atual temporada foram de recomeço para o jogador. Com o prazo de 60 dias para o fim da punição da Fifa, Guerrero se reapresentou ao clube para os treinos em fevereiro, mas já vinha mantendo a forma com uma equipe particular, monitorado por telefone. Em seguida, deu-se início a um processo de recuperação no Parque Gigante, CT Colorado, com o acompanhamento próximo da seleção peruana.
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O técnico Ricardo Gareca foi até Porto Alegre, conversou com o jogador, e o indagou sobre o nível de disposição para o atacante jogar novamente por seu país depois de tudo que sofreu. A suposta contaminação por um metabólito da cocaína e da folha de coca se deu na concentração da seleção peruana. Guerrero então informou que toda a polêmica seria um combustível para ele tentar fazer história no retorno à seleção, e botou a mão na massa.
– Ele era uma fera enjaulada. Sabia que era inocente, cumpria uma punição que não era dele. O Inter entrou, fez um projeto, e a acolhida foi fundamental nesse processo – conta o diretor Rodrigo Caetano, que indicou a contratação ao clube após o Flamengo decidir não renovar o contrato com Guerrero e exigir ressarscimento da seleção peruana.
Segundo relatos de outros profissionais que acompanharam o jogador no Internacional, Paolo estava disposto a pagar o preço que precisasse para voltar a sua melhor condição. Aos 35 anos, não tinha mais tempo a perder. Por isso, iniciou treinamentos em período integral, utilizando o software de monitoramento por GPS que é usado pelo clube e pela seleção brasileira para o controle de carga.
Preparador físico do Inter, Cristiano Nunes coordenou de perto os trabalhos e atestou o profissionalismo e a vontade do camisa nove em dar a volta por cima.
– Ele dizia que o que precisasse fazer, ele faria para voltar à melhor forma. Às vezes o nível de fadiga era grande, a gente pedia para parar, mas ele queria cumprir as séries, sabia que precisava do treino – relata, lembrando que os sorrisos eram raros.
O clube teve o cuidado de lançar Guerrero aos poucos nas partidas. Primeiro, apenas 45 minutos, depois 60. Mas logo no segundo jogo, o peruano atuou o tempo todo. Foram 13 partidas desde o retorno, com nove gols. Tudo acompanhado de perto pelo Peru.
Preparadores físicos da seleção peruana recebiam dados dos treinos semanais de Guerrero. Era nítido que o atacante evoluía e poderia atuar em bom nível na Copa América. Quando o Inter atuou pela Libertadores contra o Alianza Lima, a comissão técnica peruana foi ao treino pessoalmente, buscou informações e viu o avanço de perto. Em janeiro, o preparador físico Néstor Bonilla já se mostrava animado com a recuperação de olho na Copa América.
Se na parte física a evolução era constante, no aspecto emocional Guerrero esteve sempre mordido. De acordo com quem o acompanhou no clube, ele se sentia injustiçado e negava a quem quisesse ouvir que precisasse de doping para ter um bom rendimento.
– Na cabeça dele nunca precisou de nenhum agente externo. E aos 35 anos não vai ser diferente. Vai mostrar que não precisava de nada disso – conta o preparador Cristiano Nunes.
No clube, Guerrero também mantinha cuidados extracampo que o marcaram na carreira. Além da alimentação regrada, cumpria tarefas após os treinos para acelerar a recuperação. Era comum ver o atacante fazendo hora extra na banheira de gelo, na massagem, e adotando a suplementação alimentar aliada a uma boa dieta. Acolhido pelo novo clube e pelo novo grupo, se transformou rapidamente em referência também para os torcedores colorados, e voltou à seleção sem perder o status de ídolo nacional.
– Aqui ele veio em situação ruim, o Inter resolveu apostar e confiar nele, na inocência e na capacidade dele. Começou bem, fez gols, aumentou a autoestima dele para o clube e a seleção – comemora Caetano.
Guerrero tem mais dois anos de contrato com o Internacional. O futuro na seleção peruana é incerto em relação a participação na Copa do Mundo de 2022, quando o jogador estará com 38 anos. Na decisão da Copa América diante do Brasil, o centroavante tem a chance de redenção perfeita.
Fonte: O Globo