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Ah, se fosse o meu filho!



Eu já escutei inúmeras vezes mães falando assim quando veem uma criança fazendo algo inadequado. É como uma atitude dúbia, ameaçadora, em que no fundo estão imaginando algo como: ‘eu faria diferente’, ‘eu faria o que ele pedisse’, ‘lhe daria uma porrada’, ‘eu não saberia o que fazer’…

Sem dúvida, um dos grandes problemas que estamos vivendo na educação infantil é a dificuldade de estabelecer limites. Como definir projetos de vida seguros, tranquilos, sem sustos, sem erros, sem sobressaltos, em um mundo violento, em que não sofrer é a norma. 

Coincidentemente, hoje li no jornal uma matéria em que cientistas da Universidade de British Columbia, no Canadá, recomendam parquinhos mais ‘aventurescos’ como uma forma de estimular mais e fugir da equação de seguro total como o mais adequado. Menos segurança, menos proteção, mais estímulo, desenvolvimento e flexibilidade. Um pouco parecido a teoria da sujeira, em que nossa imunidade se fortalece com a exposição a um ambiente não tão protegido.  

Obviamente que a infância mudou bastante, com muito mais tempo de tela, menos tempo de jogos ao ar livre ou espaços comuns, mais sedentarismo e quase nada de atividades familiares.  

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Sem controle

Temos medo de tudo: de que brinquem e caíam, de que se machuquem, de que possam sofrer. E permitimos coisas muito mais malucas, como veículos de mobilidade individual de adultos para uso em crianças, sem qualquer proteção. Não os protegemos de perigos eletrônicos.

A criança fica confinada ao seu quarto, na frente de seus múltiplos tipos de tela, muitas vezes copiando o comportamento de seus irmãos e mesmo de seus pais.  E os pais de hoje, comparados aos de algumas gerações anteriores, deixam de ser autoritários, rígidos, para adotar uma postura de permissividade total. 

Permitem tudo, a qualquer momento, sem qualquer tipo de controle. E contaminam avós, padrinhos, escolas e até os próprios profissionais de saúde, que, pressionados, acabam aceitando como normais comportamentos nem sempre adequados. Afinal, temos medicamentos para quase tudo: para hiperatividade, inatividade, pouca atividade, inatenção, ansiedade, tristezas, falta de afeto ou excesso de afeto. Mas não temos um parâmetro para limites.

Obesidade infantil

Na minha área de atuação, a nutrição infantojuvenil, não há como separar alguns dos problemas mais frequentes como a obesidade, o excesso de peso, a dificuldade alimentar, de modelos de comportamento e o chamado estilo parental.  

Trabalhando com o projeto da nossa colega Sherryl Hughes, do Baylor College, no Texas, relacionamos o modo com que os pais se comportam na alimentação e o prognóstico físico de seus filhos. Assim, pais autoritários tendem a ter filhos mais obesos, assim como seus opostos, os pais permissivos ou liberais demais. Por motivos diferentes, já que provavelmente uns terão filhos que poderão reagir de forma contrária ao implementado durante anos de repressão e rigidez, e os outros por terem permitido TUDO que era possível sem uma palavra não pela frente. 

Modo de educar

Na história da humanidade, provavelmente o estilo controlador sempre foi o que mais deu certo na educação, já que as crianças obedeciam de forma cega à autoridade paterna, com poucos questionamentos. No entanto, anos abusivos, maus tratos frequentes e castigos físicos abalaram esta forma clássica do educar forçado. Mas saímos para o oposto. Com medo de sermos iguais, buscamos a liberalidade total de comportamentos.  E o meio termo, o bom e velho bom senso, foi perdendo terreno. 

Minha mãe, judia tradicionalista que é, sempre dizia que quando eu não fazia alguma coisa adequada, arrumaria meus dentes com um soco, sem precisar de aparelho ortodôntico. Obviamente que, exatamente como fazia a mãe de meus vizinhos italianos, ameaças ocas não servem para nada, mas a imagem fica.  E, mesmo sem medo algum da ameaça física, a mensagem estava registrada. 

Fico com a impressão de que os pais de hoje precisam não de coaches, técnicos ou especialistas em educar seus filhos, mas de algo mais, que o tempo levou ao olvido: a capacidade de conversar, de discutir, de trocar ideias com o profissional de saúde, com parentes, com amigos. Não pelo grupo de Whats, mas realmente o contato sincero e claro, sem outras intenções.  E talvez a frase inicial, diria exatamente assim: se fosse meu filho, ele faria o correto. 

 

 

Quem faz Letra de Médico

Adilson Costa, dermatologista
Adriana Vilarinho, dermatologista
Ana Claudia Arantes, geriatra
Antonio Carlos do Nascimento, endocrinologista
Antônio Frasson, mastologista
Arthur Cukiert, neurologista
Ben-Hur Ferraz Neto, cirurgião
Bernardo Garicochea, oncologista
Claudia Cozer Kalil, endocrinologista
Claudio Lottenberg, oftalmologista
Daniel Magnoni, nutrólogo
David Uip, infectologista
Edson Borges, especialista em reprodução assistida

Eduardo Rauen, nutrólogo
Fernando Maluf, oncologista
Freddy Eliaschewitz, endocrinologista
Jardis Volpi, dermatologista
José Alexandre Crippa, psiquiatra
Ludhmila Hajjar, intensivista
Luiz Rohde, psiquiatra
Luiz Kowalski, oncologista
Marcus Vinicius Bolivar Malachias, cardiologista
Marianne Pinotti, ginecologista
Mauro Fisberg, pediatra
Roberto Kalil, cardiologista
Ronaldo Laranjeira, psiquiatra
Salmo Raskin, geneticista
Sergio Podgaec, ginecologista

Fonte: Veja


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