Quando Lou Ortenzio era criança, sonhava em ser médico. “Minha mãe sempre contou sobre um cirurgião plástico que se voluntariou para cuidar de graça de uma mulher que havia ficado desfigurada”, conta ele.
Essa história ficou em sua mente. Ele estudou medicina e começou a atender em Clarksburg, no Estado de Virgínia Ocidental , no nordeste dos Estados Unidos, para enfim realizar sua meta de ajudar pessoas por meio de sua profissão – mas logo seria ele que precisaria de ajuda.
Eram os anos 1990, e ele estava trabalhando exaustivamente, se dividindo entre o hospital e sua clínica. Suas jornadas, que costumavam ser de 9h às 17h, começavam cada vez mais cedo e terminavam cada vez mais tarde.
Certo dia, tarde da noite, estressado e com uma dor de cabeça forte, ele abriu seu armário de amostras em busca de um remédio e encontrou exemplares deixados por representantes de laboratórios farmacêuticos de um novo tipo de medicamento na época.
Os opioides são drogas derivadas da papoula – planta que também é a base de produção do ópio e da heroína. Estavam se tornando populares para tratar pacientes com dor crônica, porque afetam receptores no cérebro e produzem um grande alívio, além de serem eficazes para reduzir a ansiedade e combater a depressão que acompanham esse tipo de condição.
Mas também geram uma sensação de euforia e são altamente viciantes – um efeito não conhecido no passado.
“Foi uma sensação incrível. Era como se nada estivesse errado. Como se eu fosse à prova de balas, pudesse levantar um prédio com as mãos e fosse mais rápido do que um trem. E eu podia trabalhar ainda mais”, conta Ortenzio.
Ele diz que, na época, era explicado a ele e seus colegas que aquela droga, por ser liberada de forma moderada e constante no organismo, não teria um efeito viciante.
Mas a verdade é que opioides podem viciar e ser letais. Nos últimos anos, os Estados Unidos têm vivido uma crise de saúde pública graças ao seu uso indiscriminado.
Desde 1999, o número de mortes causadas pelo consumo de opioides quadruplicou, segundo dados do Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC, na sigla em inglês). O Instituto Nacional de Abuso de Drogas estima que mais de 130 americanos morrem por dia de overdose destes medicamentos.
No entanto, sem saber disso e diante do efeito positivo dos opioides em seus pacientes e em si próprio, Ortenzio acreditou que estava fazendo o que havia planejado desde criança – ajudar outras pessoas e fazê-las se sentir melhor – e passou a prescrever cada vez mais opioides.
Crises de abstinência
Ele estima que, no fim da década de 1990, metade de seus pacientes estavam usando opioides. Foi quando começou a notar alguns sinais preocupantes de dependência.
“Algumas pessoas marcavam uma consulta antes do previsto para pegar uma receita, diziam que a medicação não estava fazendo efeito e que era preciso aumentar a dose ou tomavam uma pílula a mais por dia”, conta Ortenzio.
Se Ortenzio falava em reduzir as doses, os pacientes se revoltavam, saíam do escritório fazendo um escândalo, imploravam para que ele não fizesse isso. “Em muitas das vezes, eu cedi.”
O próprio Ortenzio começou a sentir por conta própria esse efeito. “Eu tomava de vez em quando de noite, quando tinha dor de cabeça ou estava estressado ou ansioso. Mas foi aumentando.”
Depois de três ou quatro anos, passou a ser um hábito constante. Ele não usava mais opioides só à noite, mas também pela manhã, para começar o dia.
“Eu acordava pensando em quanto tempo conseguiria mais comprimidos. Um já não era suficiente. Precisava de três ou quatro pela manhã para me sentir normal. Foi quando fiquei preocupado.”
Não demoraria muito tempo para que Ortenzio estivesse cometendo atos ilegais para conseguir mais medicamentos. Ele convencia pacientes a entregá-lo opioides que estes pegavam com receitas escritas por ele.
“Eu dizia que dependia daqueles medicamentos, e havia alguns pacientes nos quais confiava para fazer aquilo.”
Quando seu vício superou o número de pacientes de sua confiança, o médico passou a ter crises de abstinência e, em seu desespero, começou a escrever receitas no nome de seus filhos.
“Eu tomava três ou quatro comprimidos já no estacionamento da farmácia. Em um momento, eu pensei: ‘O que eu estou fazendo? Como cheguei a esse ponto? Como fiquei tão doente para ter de fazer isso?’.”
Mortes por overdose
Logo seu casamento foi afetado. Além de trabalhar demais, ele não estava realmente presente no pouco tempo que passava em casa, e se afastou dos seus três filhos.
Ao mesmo tempo, teve pacientes que tiveram overdoses de opioides.
“Foi terrível. Eu me lembro de saber que uma mulher jovem morreu por causa dos medicamentos que prescrevi. Claro que eu não forcei ela a tomar nem a obriguei a cometer abusos, mas eu tinha alguma responsabilidade sobre aquilo”, conta Ortenzio.
“Há algum meses, eu conheci o filho dela, expliquei que tive um papel em tudo aquilo e pedi perdão – e ele conseguiu me perdoar.”
Mesmo viciado e ciente de que estava contribuindo para que outras pessoas também tivessem o mesmo problema, Ortenzio diz que não deixou de praticar a medicina porque “não sabia fazer outra coisa”.
“Aquele era meu trabalho. Não sabia como sair do ciclo vicioso nem tirar meus pacientes daquilo, por mais que tivesse tentado. Não via uma saída, então, apenas seguia em frente.”
‘Procure ajuda’
Mas um dia, conheceu uma enfermeira chamada Donetta e confidenciou a ela pelo que ele estava passando.
“Ela disse que rezaria por mim e compartilhou a palavra de Jesus Cristo comigo. Com a ajuda de algumas pessoas, com a fé e com a esperança, em três ou quatro dias, eu consegui parar de usar.”
Ortenzio diz que o caminho para se livrar de um vício tão grave é ser honesto consigo mesmo e a falar abertamente de seu problema.
“Eu pensava que poderia resolver aquilo sozinho, mas, ao pedir ajudar e compartilhar dificuldades, você pode conseguir se libertar, seja por meio da fé ou não. Mas você precisa de ajuda e tem de reconhecer isso.”
Ortenzio estava finalmente livre do vício, meu seu passado ainda voltaria para assombrá-lo. O FBI fez uma operação em seu consultório, e ele foi processado.
Em março de 2006, ele se declarou culpado por emitir prescrições falsas e outras fraudes contra o sistema de saúde. Ele foi sentenciado a prisão domiciliar por seis meses, a cinco anos em condicional, a prestar serviços comunitários e a pagar uma multa de US$ 200 mil.
“Foi uma pena muito benevolente”, diz Ortenzio, que perdeu sua licença como médico e passou a fazer outros trabalhos, como cortar a grama de um campo de golfe, vender materiais de escritório ou entregar pizzas. A restituição da dívida em pagamentos mensais foi acertada em um acordo.
Hoje, ele administra um abrigo para moradores de rua, está casado com Donetta desde 2004 e tenta reconstruir seu relacionamento com os filhos. “Espero que as coisas positivas que faço hoje de alguma forma compensem o que fiz de ruim.”
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Fonte: Terra Saúde