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Ensaiada: A confusa confissão de Gabriel



Vacilante, o goleiro do Botafogo Gatito Fernández solta uma bola que parecia fácil na pequena área. Em velocidade, Deyverson, atacante do Palmeiras, tenta pegar o rebote, mas desequilibrado, cai no chão e não consegue seguir na jogada. O juiz apita, mas não é pênalti: amarelo por simulação. Segundos depois Paulo Roberto Alves Júnior vai conferir o lance no árbitro de vídeo. Refaz tudo: cancela o cartão e dá a penalidade máxima para o Palmeiras. Só depois, no replay, em câmera lenta, vemos que foi o zagueiro Gabriel, até então um coadjuvante no lance, que dá um pisão no atacante palmeirense, cometendo a infração que foi decisiva na derrota alvinegra no Mané Garrincha.

Capaz de virar por completo uma decisão inicial? de punição por simulação à penalidade máxima ? a tecnologia no futebol, quando era apenas uma ideia, sofria críticas de que acabaria justamente com a discussão da segunda-feira, a polêmica na mesa redonda. O caso da sexta rodada mostra justamente o contrário.

O lance aconteceu no sábado, e logo dividiu opiniões. Ontem, uma imagem da TV Palmeiras, filmada por trás do gol, manteve acesa a discussão. E hoje o lance ainda é tema de debate sem conclusão definitiva, ainda que a maioria da opinião de jornalistas e torcedores leve a crer que o árbitro de vídeo ajudou o juiz a acertar. Contudo, ainda não conseguimos nem mesmo concordar, em uníssono, se Gabriel, em sua declaração após o jogo, admitiu ou não que cometeu a infração.

?Vergonhoso, porque eu nem vejo o Deyverson, vou dar a passada e acertei mesmo o pé dele . Mas aí ele vai olhar na câmera lenta e vê o que aconteceu ? disse o zagueiro ao “Premiere?.

SABER USÁ-LO

Mesmo que se desconte a adrenalina do pós-jogo, a frase do jogador do Botafogo parece dúbia. Se acertou mesmo o atacante adversário, porque a marcação é vergonhosa? Ao invés de responder, o zagueiro prosseguiu, agora em uma crítica global ao juiz e ao uso da tecnologia no Brasileiro.

? O futebol está acabando, não pode encostar mais que tudo quer chamar o VAR. Não tem convicção do que ele está fazendo, do que ele está marcando. Fica difícil assim. O VAR vai ser muito bem-vindo ao futebol, mas se souber usá-lo ? declarou.

Alguns acham que Gabriel admite o pênalti cometido, mas critica o modo de marcá-lo. Outros, acham que é uma crítica à “vergonhosa? decisão do juiz que deu a vitória ao Palmeiras.

A fala do zagueiro serviu de inspiração a muitos alvinegros que, ainda que enxerguem o pisão, defendem a legalidade do lance na redes sociais. Os argumentos variam da falácia de “falta sem intenção?, passam por palpites tendenciosos sobre a incapacidade do pisão de atrapalhar o atacante, e chegam a algo que merece realmente ser debatido: o “mau uso do VAR?. É sobre isso, ainda que em tom um pouco petulante, a parte mais aproveitável do discurso de Gabriel, questionando um problema realmente existente, mas não no lance em que acabou protagonista.

? Não adianta em qualquer “lancezinho? ele (o juiz) parar e ver em câmera lenta, se for assim em cada jogo ele vai ter que marcar cinco pênaltis. Futebol é contato, não tem como ? opinou, antes de encerrar repetindo a mesma frase do início da sua declaração de que realmente encostou em Deyverson. ? Vergonhoso ?encerrou.

A CÂMERA LENTA

A penalidade foi marcada corretamente, mas quase ninguém viu o pisão de Gabriel no primeiro momento, É só no replay, com atenção, que vemos que o contato foi com o defensor alvinegro e não com o goleiro. Mas só a câmera lenta permite interpretar que que ele foi faltoso. No caso específico do lance de sábado, diminuir a velocidade da imagem foi fundamental para a conclusão sobre um pênalti decisivo. E isso é positivo? Sim e não.

É inegável que, em um esporte de contato, o uso exagerado de lances em câmera lenta para checagem de lances polêmicos pode causar uma marcação excessiva de penalidades, talvez, de forma incorreta. Ao mesmo tempo, lances tão complicados como no jogo de sábado necessitam de um olhar mais apurado, quadro a quadro, para compreensão maior do que realmente aconteceu.

O paradoxo do videoteipe nos leva à célebre frase de Nelson Rodrigues, de que o “videoteipe é burro?. Ele de fato pode ser? cabe a nós ter a inteligência de saber usá-lo da melhor forma.

O protocolo do VAR da Fifa diz que o juiz pode utilizar o recurso em velocidade normal ou em “slow motion?, mas que só deveria usar a câmera lenta em casos de observação de “ponto de contato? em infrações físicas ou casos de mão na bola. Rever a recomendação, talvez proibindo os árbitros de ver os lances fora de sua velocidade normal, soluciona eventuais exageros, mas dificulta a eficiência do árbitro de vídeo em certos lances, como no do jogo no Mané Garrincha.

A prova que o VAR faz justiça, porém, vem em uma câmera nem rápida nem lenta, mas mais aberta, enxergando o todo. Assim como no jogo contra o Palmeiras ? em que nem juiz, nem torcida, nem transmissão viram o lance marcado com o auxílio do árbitro de vídeo ? contra o Fluminense, há duas rodadas, o Botafogo viu um gol do adversário ser anulado corretamente. Não fosse a tecnologia, o Botafogo teria mais um ponto no sábado. Mas teria perdido dois lá atrás. O VAR, até agora, compensa.

Fonte: O Globo


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