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Hospital britânico é acusado de usar tortura psicológica contra pacientes vulneráveis



Abusos e maus-tratos de adultos vulneráveis em um hospital da Inglaterra foram revelados pelo programa Panorama da BBC.

Todos os pacientes do Whorlton Hall foram transferidos, e o hospital foi fechado
Todos os pacientes do Whorlton Hall foram transferidos, e o hospital foi fechado

Foto: BBC News Brasil

As filmagens secretas mostram a equipe intimidando, ridicularizando e reprimindo pacientes com dificuldades de aprendizagem e autismo no Whorlton Hall, no Condado de Durham, no nordeste do país.

Especialistas disseram que os abusos cometidos no hospital, que é privado, mas financiado com recursos do sistema de saúde pública britânico, o NHS, se equiparam a “tortura psicológica”. Uma investigação policial está em curso, e 16 funcionários foram suspensos.

O hospital de 17 leitos é uma das dezenas de unidades na Inglaterra que atendem a pouco menos de 2,3 mil adultos com deficiências de aprendizado e autismo.

Muitas são regidas pela Lei de Saúde Mental do Reino Unido, que dita a forma como pacientes devem ser recebidos, cuidados e tratados. Glynis Murphy, professora de psicologia clínica e deficiência da Universidade de Kent, na Inglaterra, disse que muito do que foi descoberto é a “antítese absoluta” do bom atendimento. “É obviamente uma cultura fora do padrão.”

A empresa Cygnet, que administra a unidade, disse estar “chocada e profundamente entristecida” com as revelações. A companhia diz que só assumiu a administração do centro na virada do ano e disse estar “cooperando totalmente” com a investigação policial. Todos os pacientes foram transferidos para outros serviços, e o hospital foi fechado, disse a Cygnet.

O que foi descoberto?

Funcionários foram filmados usando linguagem pejorativa para se referir aos pacientes
Funcionários foram filmados usando linguagem pejorativa para se referir aos pacientes

Foto: BBC News Brasil

A repórter da BBC Olivia Davies trabalhou por dois meses secretamente no hospital entre dezembro e fevereiro e filmou uma série de cenas chocantes em que um funcionário usa linguagem ofensiva para descrever os pacientes, enquanto outro chama o hospital de “casa dos mongóis”. Em um caso, um paciente é informado pelo profissional de saúde que sua família é um “veneno”.

Dois membros da equipe masculina abusam especialmente de uma paciente do sexo feminino. Consciente de que ela tem medo de homens, eles dizem que seu quarto será repleto de homens em um esforço para mantê-la quieta. Eles falam em “apertar o botão de homem”, algo que causa grande aflição nela. Isto foi descrito como uma tortura psicológica por Murphy.

E quanto a outros tipos de violência?

A empresa que administra o hospital disse ter ficado chocada com as revelações e fechou a instituição
A empresa que administra o hospital disse ter ficado chocada com as revelações e fechou a instituição

Foto: BBC News Brasil

Também houve ameaças de violência física. Em uma ocasião, um funcionário do sexo masculino ameaça “derrubar” um paciente no chão com um soco, enquanto é dito a outro paciente que ele vai “atravessar o chão”.

Seis funcionários da área de saúde também disseram à repórter que eles deliberadamente feriram pacientes – incluindo um que descreve ter batido a cabeça de um paciente contra o chão e outro que fala que jogou um paciente no chão.

A repórter testemunhou vários incidentes de contenção física, que só devem ser usados para impedir que um paciente se prejudique ou a outros. Em um episódio, um paciente foi mantido no chão por quase dez minutos por um membro da equipe que, ao mesmo tempo, distribuía chiclete aos colegas.

O professor Andrew McDonnell, especialista em autismo da Universidade Birmingham City, na Inglaterra, que desenvolve treinamento para reduzir o uso de métodos de contenção, disse que isso é uma “punição cruel”. “A restrição deve ser momentânea. Deve ser curta. Deve ser com o menor número de funcionários possível, sem espectadores.”

O que dizem as regras?

Os serviços para pessoas com dificuldades de aprendizagem são regulados pela Comissão de Qualidade de Cuidados (CQC, na sigla em inglês), que deu ao Whorlton Hall uma boa avaliação depois de inspecioná-lo em 2017.

Desde então, a CQC alertou o hospital sobre treinamento dado aos funcionários, as longas horas de trabalho e uso excessivo de equipes terceirizadas.

Paul Lelliott, vice-chefe de inspeção de hospitais do CQC, disse estar claro agora que a comissão falhou em detectar os abusos cometidos no Whorlton Hall. “Tudo o que posso fazer é pedir desculpas profundamente às pessoas envolvidas”, disse Lelliott.

O Departamento de Saúde e Assistência Social do Reino Unido disse que tratou as denúncias de abuso com a “seriedade máxima”, mas afirmou não poder comentar além disso por causa da investigação policial.

Não é o primeiro escândalo

As descobertas do Panorama vieram oito anos após abusos terem sido descobertos em outro hospital para pessoas com deficiências de aprendizado, o Winterbourne View, perto de Bristol. O então primeiro-ministro David Cameron prometeu na época que isso nunca mais aconteceria.

O Winterbourne View foi fechado, e o governo britânico comprometeu-se a fazer o mesmo com outros hospitais especializados, dizendo que este tipo de cuidado deveria ser fornecido de outra forma.

O número de leitos foi reduzido – de 3,4 mil para menos de 2,3 mil desde 2012 na Inglaterra -, mas isso está aquém da meta do governo de reduzir para menos de 1,7 mil até março deste ano.

A investigação do caso Winterbourne View também fez alertas sobre o uso excessivo de contenção. Mas os números mostram que “práticas restritivas” se tornaram mais comuns – o uso de reclusão e contenção quase dobrou nos últimos dois anos, de acordo com números obtidos pelo Panorama sob a Lei de Liberdade de Informação.

O secretário de Saúde, Matt Hancock, ordenou uma investigação sobre os casos no ano passado e um relatório provisório publicado pela CQC nesta semana descreveu o sistema como “fundamentalmente falho” e que a forma como os pacientes estão sendo tratados é uma prova de seu fracasso. O setor também foi criticado por algumas das mortes ocorridas nestas intituições.

Connor Sparrowhawk, who had learning disabilities and epilepsy, died in 2013 after being left alone in a bath
Connor Sparrowhawk, who had learning disabilities and epilepsy, died in 2013 after being left alone in a bath

Foto: HSE/PA Wire / BBC News Brasil

O caso de maior repercussão dos últimos anos foi o de Connor Sparrowhawk, que tinha dificuldades de aprendizagem e epilepsia e morreu quando teve um ataque enquanto tomava banho sozinho em uma unidade do NHS em Oxford em 2013.

Responsável pela unidade, a Fundação Southern Health NHS admitiu violações da Lei de Saúde e foi multada em 2 milhões de libras (R$ 10,2 milhões) pelas mortes de Sparrowhawk e de outra paciente, Teresa Colvin, de 45 anos, que morreu em Hampshire em 2012.

As mortes de pessoas com dificuldades de aprendizagem são agora monitoradas rotineiramente. O último relatório, publicado nesta semana, apontou suspeitas quanto aos cuidados prestados em mais de um a cada 10 casos.

Jonathan Beebee, do Royal College of Nursing, principal organização profissional de enfermagem do Reino Unido, diz que a investigação do Panorama lançou uma luz em “canto escuro” do setor.

Ele afirma que o que foi encontrado não estaria acontecendo na mesma escala em todos os lugares, mas que ainda tem preocupações quanto à qualidade dos serviços. “O setor é atormentado por altas taxas de vacância e falta de pessoal devidamente treinado. Haverá problemas em outros lugares”.

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Fonte: Terra Saúde


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