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Rap, funk, pop e sertanejo são os gêneros mais ouvidos em 5 escolas públicas de SP



O interesse dos alunos pela música interfere de alguma forma na educação? É com esse e outros questionamentos que o doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo (USP), Rogério Pelizzari, resolveu entrevistar 1.482 estudantes, de dez a 18 anos, em cinco escolas públicas da cidade de São Paulo. O objetivo do pesquisador era descobrir a relação que esse público tinha com as melodias e como os professores lidavam com isso – o que revelou tendências dentro das salas de aula.

Diversidade musical é uma marca nas escolas analisadas pelo pesquisador.
Diversidade musical é uma marca nas escolas analisadas pelo pesquisador.

Foto: Divulgação / João Bittar / MEC / Estadão

O levantamento, feito entre março e maio de 2018, expõe que 90% dessas crianças e adolescentes ouvem as canções preferidas todos os dias. Entre todos eles, 71% fazem isso por três horas ou mais, e 93,6% curtem as playlists em smartphones. Além disso, 72% admitiram que têm esse hábito na escola, e 89,5% fazem provas, lições de casa e trabalhos acompanhados de uma trilha sonora.

“Dentre as 80 turmas que visitei, apenas uma não tinha jovens ouvindo música e mexendo no celular. É comum eles consultarem os aparelhos para atividades e compartilharem fones”, afirma Pelizzari. “Em alguns casos, cheguei na sala com o coordenador pedagógico e os alunos estavam em aula vaga. Presenciei uns ouvindo no alto-falante e outros até mais sofisticados, com caixinhas de som via bluetooth”, recorda.

Do funk à música gaúcha, há gosto para tudo

Os números dessa realidade revelaram uma vasta bagagem cultural: os alunos listaram 2,7 mil músicas, de 1,5 mil artistas e citadas mais de quatro mil vezes. Desse montante, 63% das canções são nacionais e a preferência – na qual se pôde apontar mais de um ritmo – foi por rap (69%), funk (68%), pop internacional (58,6%) e sertanejo (57%).

Por outro lado, os gêneros que os estudantes menos gostavam eram axé (61,6%), forró (58,3%), jazz (57,5%) e música clássica (56,5%). E as interações não pararam por aí: eletrônica, k-pop (pop sul-coreano), lo-fi (músicas gravadas em baixa qualidade), futparódia (trilhas sonoras para gols de futebol), reggaeton, canções latinas, gaúchas, e outras figuram em menor número em uma parcela dos jovens.

A pesquisa demonstra também como a relação dos alunos com a música acompanha as divulgações da televisão, YouTube e serviços de streaming. “Esses vínculos impactaram as respostas. Em uma das escolas, eu fiz uma visita uma semana depois do Lollapalooza [de 2018] e os nomes listados lá refletiram os músicos que estavam no festival”, conta Pelizzari. “Fui na segunda e terceira escola em março [do ano passado], um pouco depois do carnaval, e ali prevaleceu os hits do momento”, completa.

Veja abaixo as tabelas de artistas mencionados nas três unidades de ensino.

Pelizzari acredita que esse fenômeno mostra como a música pode perder audiência de forma rápida atualmente. Ou seja, o que os alunos apontam como favorito em um mês, no outro, talvez, deixe de ser. “A pergunta não é mais sobre a canção favorita, mas qual estou ouvindo no momento”, constata.

Para se ter uma ideia, apenas uma pessoa, dentre as 1.482, citou como música predileta a Tá Tranquilo, Tá Favorável, funk do MC Bin Laden que ganhou popularidade em 2015 com memes, coreografias e mais de 100 milhões de visualizações no YouTube. Por outro lado, 70% de todas as músicas citadas foram lançadas entre 2016 a 2018.

Até onde essas músicas podem ajudar nas aulas?

Pelizzari se reuniu com 37 professores de três das cinco escolas para debater os resultados obtidos nas entrevistas. Nas conversas, percebeu que muitos educadores têm preconceitos com as referências musicais dos alunos e não as usavam em sala de aula para prender a atenção da turma. Além disso, eles conheciam artistas bastante divulgados pela mídia tradicional – como Anitta, Jojo Toddynho e Pabllo Vittar -, mas não sabiam da existência da maioria dos nomes citados pelos estudantes, cuja popularidade veio pelos meios digitais.

“A relação do professor com o virtual se dá, muitas vezes, com uma visão analógica em um mundo cujo algoritmo [que conduz o usuário para conteúdos similares ao que ele já viu] mudou muita coisa. Eu não conhecia boa parte das músicas, então eu ia no YouTube para ouvi-las e começaram a aparecer propagandas e direcionamentos de vários funks, raps, sertanejos e raps”, afirma.

Diante disso, Pelizzari acredita que os professores possam estar perdendo a oportunidade de criar estratégias pedagógicas para o ensino de alguns conteúdos por meio da música. “Partir de um conhecimento prévio do aluno para ensinar uma coisa nova é possível. Pode-se estabelecer conexões, sentidos e desenvolver a crítica de pensar o que ouve e consome, por exemplo”, aconselha.

“Na medida em que há um distanciamento entre o universo do professor e do aluno, fica nítido que o profissional sabe pouco sobre a bagagem com a qual o estudante está dialogando. Antes de ensinar uma pessoa, é preciso no mínimo conhecer quem ela é”, diz.

Do ‘Só Quer Vrau’ da matemática até o ‘pancadão’ da química na sala de aula

Em um dos encontros com os educadores, o pesquisador falou sobre o funk Só Quer Vrau, paródia do hino de resistência antifascista italiano Bella Ciao. A canção de protesto ganhou audiência com a série La Casa de Papel, e caiu no gosto do brasileiro com a versão do MC MM – que não ficou de fora do ambiente escolar.

A adaptação rendeu coreografias, memes e cerca de 285 milhões de acessos no YouTube, o que suscitou reflexões sobre o uso da música na educação. Alguns não conheciam a raiz do Só Quer Vrau, outros associavam apenas à obra da Netflix, mas uma professora se destacou entre os colegas de trabalho ao se mostrar familiarizada com a bagagem cultural dos estudantes:

“Na minha aula, os alunos fizeram um exercício de tabuada com essa música. Eu faço um exercício de nivelamento [de conhecimento] para produzirem tabuada com música. Cada grupo de alunos ficou responsável por um número da tabuada, e essa Só Quer Vrau foi a primeira que apareceu (…) Kevinho, Kekel… todos esses caras estavam na tabuada. Eles cantavam a tabuada do sete com o Kevinho.”**

Pelizzari aponta que era comum ouvir os jovens dizerem que faziam batalhas de rap, no qual improvisam letras, expressando em versos o que sentem e pensam sobre determinado assunto. “Isso exercita o diálogo, a contraposição de palavras e a formação de rimas. Elementos que podem ser exercitados na sala de aula”, explica.

Recentemente, o E+ apurou que a música pode engajar estudantes não só no mundo real, mas também pelas redes sociais. O professor de inglês Fábio Emerim, por exemplo, usa sua conta no Twitter para ensinar o idioma com referências de séries, filmes, canções. “Vejo muita gente que curte Ariana Grande, Lady Gaga e k-pop me acompanhando na internet para aprender a língua”, afirma. Veja abaixo:

Além disso, aulas lúdicas com músicas que estão no imaginário dos alunos viralizam nas redes sociais e ajudam estudantes a aprender. Assista a algumas:

*Estagiário sob a supervisão de Charlise Morais

**Diálogo entre Rogério Pelizzari e os educadores disponível na tese de doutorado Rap, funk, pop internacional: percepções dos professores sobre as referências musicais dos alunos (acesse aqui).

Estadão

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Fonte: Terra Saúde


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