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Estádio das Laranjeiras chega aos 100 anos com orgulho do passado e temor pelo futuro



Aniversariante deste sábado, quando completa um século de existência, o Estádio das Laranjeiras nasceu para ser um trunfo. Na primeira década do século 20, a seleção brasileira era considerada um saco de pancadas. Para Marcos Carneiro de Mendonça, goleiro do Fluminense e da equipe nacional, a solução passava por ter um alçapão próprio. O I Campeonato Sul-americano, disputado em 1916, na Argentina, deixara isso bem claro. “Tivemos que enfrentar 3.500km de estradas de ferro. (…) ali chegando, toda a turma estava com as pernas bambas”, relatou o próprio arqueiro em manuscrito publicado no livro “Os Guinle”, de Clóvis Bulcão.

Carneiro levou para Arnaldo Guinle, então presidente do Fluminense, a ideia de erguer um estádio capaz de sediar a competição continental. O dirigente comprou a ideia, levantou os recursos com empréstimos e doações e transformou o antigo campo da Rua Guanabara num alçapão com capacidade para 18 mil. O objetivo principal fora atingido. Sem o cansaço proporcionado por grandes deslocamentos, o Brasil recebeu seus vizinhos e, apoiado pelos cariocas, jogou de igual para igual. Resultado: com quatro vitórias e um empate, ergueu a taça do Sul-americano de 1919, o primeiro título de sua história.

– A medida que o Brasil avança na competição, a sociedade se envolve. Como não havia rádio, as pessoas iam para a porta dos jornais atrás de notícias. Na final, o presidente decretou feriado – conta Bulcão. – Isso ‘dá o start’ na paixão do brasileiro pelo futebol.

Panorâmica mostra o Estádio das Laranjeiras lotado para o jogo entre Brasil e Chile, em 11/05/1919, na sua inauguração Foto: Reprodução
Panorâmica mostra o Estádio das Laranjeiras lotado para o jogo entre Brasil e Chile, em 11/05/1919, na sua inauguração Foto: Reprodução

 

Em Laranjeiras, o Brasil jamais saberia o que é perder. Foram 13 vitórias, 5 empates e mais um título de Sul-americano, o de 1922, quando o local passou por nova ampliação para receber 25 mil pessoas (era o maior da América Latina na época). Hoje, no entanto, ele chega ao centenário numa situação oposta: o estádio que tanto serviu à seleção e ao futebol brasileiro é quem precisa de ajuda.

 

O quadro em que o estádio se encontra é reflexo de dois fatores: a perda da visibilidade com a transferência do futebol profissional para o CT da Barra da Tijuca e a crise financeira do Fluminense. Asfixiado pelas penhoras, o clube cortou gastos. Sem a devida manutenção, Laranjeiras padece.

Infiltrações, rachaduras e vergalhões à mostra hoje compõem mais o cenário do que torcedores e suas bandeiras. A estrutura comprometida fez a capacidade diminuir para os atuais 8 mil. Condenada, a arquibancada superior já não pode mais receber torcedores. Quem frequenta o local, que ainda recebe jogos das categorias de base e da equipe feminina, percebe outras pequenas interdições. Em janeiro, a queda de parte do telhado em razão das chuvas levou a diretoria a impedir o acesso do público em outra parte do estádio.

Estado atual do Estádio das Laranjeiras Foto: arquivo pessoal
Estado atual do Estádio das Laranjeiras Foto: arquivo pessoal

 

Esta não é a primeira vez que o local sofre com o ostracismo. Entre 1970 e 1986, o clube optou pelo Maracanã como sua única casa. Sem jogos, o campo recebeu eventos hoje lembrados com uma aura de folclore: disputas do Campeonato Carioca de Autobol de 1974 (um estranho futebol jogado por carros) e até o circo Garcia, que estendeu sua lona sobre o gramado durante alguns meses de 1986. Reinaugurado em 1987, o estádio sobreviveu.

Preocupados com os próximos 100 anos, sete conselheiros tricolores lançaram um plano de revitalização. Batizado de Laranjeiras 21, prevê reforma que resgataria os padrões de 1919. Nele, a arquibancada voltaria a ser única (hoje é dividida em anel superior e inferior) e teria capacidade para 15 mil.

Eles receberam uma carta do atual presidente Pedro Abad na qual o clube dá respaldo institucional para negociarem com os órgãos públicos, escritórios de arquitetura e de engenharia e possíveis investidores. Mas deixou claro que o Fluminense não tem condições de entrar com dinheiro. O grupo, que na última quarta-feira apresentou o trabalho à imprensa, evita falar em custos, já que o processo ainda está na fase inicial. O objetivo é que ele não ultrapasse muito a casa dos R$ 50 milhões, pois considera-se que, acima disso, o trabalho de captação de recursos seria dificultado.

 

Para chegar à versão apresentada, eles reuniram diversas ideias sugeridas desde 2003, quando, por força do Estatuto do Torcedor, Laranjeiras deixou de receber jogos oficiais da equipe profissional. É dividida em três fases. Uma envolve a reforma do estádio, na qual as arquibancadas seriam derrubadas para a colocação de estruturas pré-fabricadas que respeitariam o conceito original. A segunda engloba a restauração do prédio histórico, também conhecido como casa-sede. Por fim, a terceira diz respeito à construção do prédio novo na única área não tombada, o antigo estacionamento dos jogadores (local onde ficava a arquibancada derrubada nos anos 1960 para a ampliação da Rua Pinheiro Machado). As conversas com os órgãos públicos ainda não ocorreram de forma oficial. Neste momento, o trabalho está na etapa final de elaboração dos estudos e projetos de engenharia.

Projeto de como ficaria o estádio das Laranjeiras após revitalização Foto: Divulgação
Projeto de como ficaria o estádio das Laranjeiras após revitalização Foto: Divulgação

 

Com a revitalização, pretendem não só fazer com que o estádio volte aos seus dias melhores como também levar de 8 a 12 jogos do time profissional com menor apelo de público. Acreditam que, com estas partidas, além de outros eventos e patrocínios, o lucro pode chegar a R$ 18 milhões anuais.

– A situação do clube é dramática. E, a partir de Laranjeiras, podemos começar a mudar essa situação – opina o conselheiro Gustavo Marins.

Criado em 2017, o grupo se considera apartidário. Seus integrantes fazem parte de diversas vertentes da política tricolor. Por isso, interromperam os trabalhos à espera da definição do novo presidente. A eleição está marcada para 8 de junho. O escolhido assumirá dois dias depois. Atualmente, três pré-candidatos concorrem ao pleito: Mário Bittencourt, Ricardo Tenório e Marcelo Souto.

– A gente não quer que ele seja utilizado com fins eleitoreiros. Quem assumir vai ter o projeto à disposição. E gostaríamos que a torcida abraçasse a ideia e cobrasse do próximo presidente que faça algo pelo estádio – diz o conselheiro Sérgio Poggi.

Apresentados ao plano, os três se mostraram favoráveis a discutir o assunto caso eleitos. Confira, abaixo, o que pensam sobre o projeto e sobre Laranjeiras.

MÁRIO BITTENCOURT

“De imediato, deixei claro aos envolvidos no projeto que estou à disposição para avaliar de forma criteriosa e buscar sua viabilidade, caso seja eleito presidente do Fluminense. O projeto é ótimo e muito claro no sentido de que o Fluminense não precisará desembolsar valores, ou seja, algo fundamental para um clube que agoniza nas finanças. Seria realmente um sonho ver nossa joia centenária revitalizada. Eu e Celso adoramos essa ideia. Ressalto, entretanto, que todo e qualquer projeto deve visar ao interesse do torcedor, que é realmente quem frequenta o estádio”

RICARDO TENÓRIO

“Revitalizar as Laranjeiras é algo necessário. Não só por ser um estádio para jogos de menor porte, mas porque é nossa casa, nosso berço, pedra fundamental da nossa história. E hoje, está abandonado, em ruínas, em um estado de calamidade. É preciso que olhemos com atenção e que cuidemos, porque é nosso patrimônio. Pelo que soube do projeto, o que me foi apresentado, é algo viável e que o Fluminense não precisaria gastar dinheiro, até porque não é possível neste momento. Nestes moldes, darei continuidade. Analisarei tudo com cuidado, terei reuniões com as pessoas para me inteirar dos detalhes e me colocarei à disposição para tocar o projeto”

MARCELO SOUTO

“O retorno de partidas oficiais nas Laranjeiras é um dos pilares da nossa campanha. Já realizei contatos preliminares com os integrantes do grupo que toca o projeto e pretendo me inteirar de todos os detalhes dele. É uma promessa minha que Laranjeiras voltará a receber jogos do Fluminense caso eu seja eleito. Nossa casa é Álvaro Chaves. Nosso estádio fica lá. É o nosso berço. E é meu compromisso número 1, no primeiro dia da gestão, fazer todo o possível para deixar Laranjeiras apta a receber jogos de pequeno e médio porte. Os restantes, podemos fazer no Maracanã, assim que tivermos acesso aos contratos e a nova licitação do Governo do estado. Além disso, Laranjeiras servirá como uma mensagem do Fluminense para todo o mercado: ali na nossa casa, começa nossa restruturação. Laranjeiras será um fator determinante para aumento de receitas, e melhor poderio financeiro para pagar as contas e investir no futebol. Portanto é um compromisso meu revitalizar nossa casa.”

Não foi só a seleção que viveu momentos de glória em Laranjeiras. Ao todo, o Fluminense disputou 859 jogos (539 vitórias, 163 empates e 157 derrotas). Neles, marcou 2.142 gols, sendo Preguinho, com 78, o atleta quem mais balançou as redes. Do Campeonato Carioca de 1919 à Taça Guanabara de 1993, os tricolores conquistaram 18 títulos. Tombado em 1998, pelo Estado, e em 2001, pelo Município, o local é palco de momentos importantes do futebol e do país, como os Jogos Latino-Americanos de 1922 e a missa de inauguração do Cristo redentor, nove anos depois. Preservá-lo é não deixar parte da história se perder.

Fonte: O Globo


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