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No Liverpool x Barcelona, a consagração de uma forma de sentir futebol



Aconteceu em Anfield algo além da vitória de uma maneira de jogar futebol. Foi a consagração de uma forma de sentir futebol, de vivê-lo na rotação máxima, no volume máximo, fazer o jogo pulsar. O alemão Jürgen Klopp tem pouco mais de três anos e meio à frente do Liverpool. Neste tempo, conseguiu convencer de tal forma time, clube e torcida a se envolverem com sua sensibilidade para o jogo que a fidelidade à identidade tornou-se tamanha a ponto de, por vezes, prescindir dos intérpretes mais talentosos. Não estavam Salah e Roberto Firmino. Do outro lado estavam Messi e um Barcelona que construíra vantagem exagerada de 3 a 0 no jogo de ida. Pois o Liverpool fez 4 a 0 e vai à final da Liga dos Campeões pelo segundo ano seguido.

Há momentos em que este Liverpool parece capaz de fazer quantos gols o jogo lhe exija, tamanha a capacidade de sufocar, pressionar, jogar futebol como o pugilista que soca o rival com fôlego interminável e piedade inexistente. Foi assim o segundo tempo.

 

É até injusto resumir todas as qualidades do futebol idealizado por Jürgen Klopp em questões anímicas, em atitude. Porque há imensas doses de ordem no que por vezes parece um caos: abafar o rival, roubar a bola, chegar com rapidez máxima ao gol, ter mobilidade constante no ataque, tudo isso exige trabalho. São quase quatro anos, nenhuma taça ainda. Será que o Brasil aceitaria esperar?

Claro que resultados assim se constroem, também, em noites em que tudo funciona. O gol rápido era essencial, e surgiu em erro de Jordi Alba, dono de atuação desastrosa. Mas surgiu também da pressão ofensiva de um Liverpool que decidira ignorar seus desfalques e, simplesmente, tentar.

? Se conseguirmos, maravilhoso. Se não, vamos falhar da forma mais bonita possível ? dissera Klopp na véspera do jogo, no que talvez tenha sido o primeiro gol do Liverpool.

 

Placar aberto por Origi, o Liverpool retratava a crença em sua concepção de futebol. Moeu o Barcelona nos primeiros minutos, mas é duro manter tanto ritmo o tempo todo. O jogo mudou quando o Barcelona que, montado novamente com Vidal no meio-campo para ter vigor, passou a apostar na pausa e no controle da bola para contra-atacar. O gol que decidiria o confronto se ofereceu, e o roteiro do jogo reacendeu o debate sobre Messi. Sua atuação deu munição a detratores e adoradores. Por partes.

É justo dizer que Messi criou as melhores chances do Barcelona na fase do jogo em que o time catalão foi superior, a segunda metade da primeira etapa. Deu um passe genial para Jordi Alba e dois para Suárez.

Mas também é fato que, numa das vezes em que ficou diante de Alisson ? um gigante, o brasileiro ?, fez a escolha errada ao tentar driblar Matip em vez de chutar. Acabou desarmado. Messi não colocou o jogo no bolso, mas se envolveu em todas as finalizações do time. Impossível culpá-lo.

Certo mesmo é que o Barcelona não conseguiu lidar com o Liverpool do segundo tempo, um time que tinha uma montanha ainda maior a escalar ao perder o lateral Robertson. Klopp foi Klopp, e o Liverpool foi Liverpool diante da nova adversidade. A opção foi pelo meia holandês Wijnaldum, com Milner pssando à lateral. Na verdade, a opção foi não economizar energia. Vidal, um dos melhores do primeiro tempo, agora era sufocado, assim como Rakitic. A pressão insana isolava Messi e Suárez do jogo. Aos 11 minutos, Wijnaldum já marcara duas vezes. E ra um golpe atrás do outro num Barcelona tonto, diante de um estádio alucinado.

 

O Barcelona jamais voltou ao jogo, como evidencia a postura de sua defesa quando o Liverpool teve um córner a favor, a 11 minutos do fim. Uma bola que estava indevidamente no campo foi retirada por um jogador do Barcelona, enquanto o lateral Alexander Arnold simulou que desistira de bater. Aproveitou que Origi estava sozinho na área, sem que o Barça estivesse posicionado para defender. Origi fez o quarto e desatou a loucura.

Não é exatamente um gol de uma construção futebolística: tem doses de esperteza, astúcia, travessura. Dentro da regra, ainda que se argumente que jogadores se habituaram, por uma convenção não escrita, a obedecer um ritual em escanteios: uma pausa, o posicionamento padrão e, enfim, a cobrança. Esta regra ruiu hoje. Talvez para sempre. Nenhum time negligenciará mais a simples aproximação do batedor do local de cobrança. Arnold pode ter rompido um paradigma.

A história do Liverpool também não será a mesma, tampouco o reconhecimento a Klopp. A noite de Anfield é destas que demarcam uma era. No dia 1º de junho, em Madrid, o clube pode ser campeão europeu pela sexta vez. Com a cara deste alemão, para quem o futebol se joga como se sente.

O adversário sairá nesta quarta-feira, às 16h (transmissão na TNT). O jovem Ajax, sensação do torneio, recebe o Tottenham e joga por um empate para ir à final. O time inglês segue sem Harry Kane, mas tem a volta do coreano Son.

Fonte: O Globo


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