O elevado custo de jogar no Maracanã, motivo de críticas recorrentes à concessionária Maracanã S/A, têm parcela significativa determinada pelos clubes e pela Federação do Rio (Ferj). E a lógica que “precifica? esses gastos nem sempre é muito clara. Levantamento do GLOBO com mais de 50 borderôs de Flamengo e Fluminense desde o início do ano passado, por Carioca (2018 e 2019) e Brasileiro, mostra valores que se mantêm estáveis independentemente da ordem de grandeza do jogo, enquanto outros custos flutuam sem acompanhar o volume de torcedores nas dependências do estádio.
Na segunda-feira, o governador do Rio, Wilson Witzel, anunciou o cancelamento do contrato de concessão com a Maracanã S/A ? formada pela empreiteira Odebrecht, acionista majoritária, e pela norte-americana AEG. Witzel alegou que a concessionária não vinha pagando a outorga mensal prevista em contrato, acumulando uma dívida de R$ 38 milhões. No início do ano, a Maracanã S/A chegou a apresentar ao governador um plano de empreendimentos imobiliários e de lazer no entorno do estádio, que seria necessário, na avaliação da concessionária, para promover o reequilíbrio financeiro do contrato.
A Maracanã S/A, que terá 30 dias para deixar a administração do estádio, alega que as receitas com jogos de futebol não são suficientes para pagar as contas. A concessionária tirava parte dos lucros com bares, restaurantes e camarotes em jogos de Flamengo e Fluminense, que também precisavam pagar aluguel para jogar no estádio. Antes do Carioca, a pedido dos clubes e da Ferj, a concessionária aceitou fixar o preço do aluguel em R$ 120 mil nos jogos contra pequenos e R$ 150 mil em clássicos.
“Esses valores, ressalte-se, não são suficientes para manter o estádio com a manutenção e investimentos em dia?, informou a concessionária através de sua assessoria de imprensa.
R$ 20 mil de sempre
A Ferj, por sua vez, recolhe cerca de 8% da arrecadação com bilheteria, na chamada “Taxa Ferj?, destinada à “manutenção da entidade e de suas finalidades, a serviço dos filiados?. A federação também estipula os valores pagos em taxa de arbitragem e para o delegado da partida, além de cobrar uma “despesa operacional?, relativa ao seu efetivo nos jogos, que inclui supervisores financeiros, fiscais e supervisores de protocolo. No período analisado pelo GLOBO, a despesa foi sempre de R$ 20 mil por partida, com uma exceção: a semifinal do Carioca de 2018, entre Fluminense e Vasco, quando a despesa foi de R$ 25 mil.
No último jogo do Flamengo no Maracanã, contra o Volta Redonda, o total de gastos estipulados pela Ferj ? e o INSS recolhido a partir de alguns deles ? chegou a cerca de R$ 120 mil, o mesmo pago pelo clube à concessionária como aluguel. A ata da partida mostra que a Ferj planejou levar 36 funcionários, sem contar os supervisores de protocolo, e fazendo a ressalva de que o efetivo estava “sujeito a alteração?. Procurada pelo GLOBO, a Ferj informou, via assessoria de imprensa, que o valor da despesa operacional não é reajustado desde 2014, “apesar de haver autorização expressa, por força de regulamento?, para eventuais aumentos. A federação informou que não vê problema em rever alguns desses valores, “se os clubes assim o desejarem?.
“A Ferj entende como importante uma análise e revisão dos valores constantes de todas as rubricas dos borderôs já que outras, que não a Taxa Ferj, correspondem no total a percentuais, às vezes, superiores a 95% das despesas?, disse a entidade.
Decisão ‘na hora’
Em seu contrato com a Maracanã S/A, que se tornou nulo após o cancelamento da concessão, o Flamengo ficava responsável pelo chamado “custo operacional da partida? ? que engloba segurança privada, emergência médica, brigadistas e limpeza ? e também pelo “custo de infraestrutura?, relativo a funcionários da parte elétrica, hidráulica e de tecnologia. Somados, os dois custos costumam representar 40% das despesas de uma partida do rubro-negro. Os clubes têm autonomia para escolher as empresas que prestarão os serviços, mas costumam adotar aquelas que já prestam serviços para a concessionária em outros eventos.
? É mais prático contratar uma pessoa que já está familiarizada ? justificou Severiano Braga, gerente de Operações de Estádios do Flamengo.
Os custos de confecção e pré-venda de ingressos, que chegam a equivaler até 10% das despesas de jogos do Flamengo, não acompanham a proporção de bilhetes vendidos. As partidas contra Americano e Volta Redonda, ambas pela Taça Rio, tiveram cargas praticamente idênticas de ingressos disponibilizados e comercializados. Na primeira, contudo, o custo de confecção e venda foi 12% maior.
O item “contas de consumo?, relativo a água, luz e gás, entrava genericamente como R$ 150 mil em todos os jogos. Não havia como medir o valor exato consumido a tempo de fechar o borderô, que é assinado antes do fim da partida. Clube e concessionária se acertavam depois.
Alguns clássicos disputados pelo Flamengo contam ainda com os campos “despesa do mandante? e “despesa do visitante?, com valores de R$ 10 mil a R$ 15 mil.
? Isso costuma ser um acordo entre os clubes. Pode ser feito na hora mesmo ? afirmou Braga.
No caso do Fluminense, que tinha um contrato diferente do Flamengo com o Maracanã, os borderôs apresentavam gastos em “aluguel de grades” e “operação de catracas” que pouco variavam, independentemente do público mobilizado na partida. “Despesa do mandante” e “despesa do visitante” eram recorrentes nos borderôs tricolores, assim como um “seguro do estádio”, que não aparecia nos resultados financeiros do Flamengo, e costumava beirar os R$ 10 mil. Procurado pelo GLOBO, o Fluminense não se manifestou até o fechamento desta reportagem.
Fonte: O Globo