Em campanha para se reeleger presidente, em 2014, Dilma Roussef fez um gesto numa interação com internautas que um cientista político desavisado dificilmente entenderia. Ao formar um “T? com os braços, se rendeu ao “Tois? de Neymar e seus amigos, “parças? que entraram para a história, versão millennial dos “peixes? de Romário. Mais tarde, o atacante declararia apoio ao candidato de oposição Aécio Neves, manifestação política explícita que nunca mais se repetiu. Talvez tenha sido uma das poucas coisas das quais jogador e estafe se arrependam nos últimos dez anos.
Com exceção disso e do corte de cabelo, em eterna metamorfose, Neymar segue quase o mesmo de exatamente uma década atrás, quando fez sua estreia como profissional. A entrada no lugar de Molina na partida do Santos contra o Oeste mudaria para sempre o futebol brasileiro e a maneira como jogadores lidariam com algo novo na época: as redes sociais.
Depois da estreia, Neymar não saiu mais do noticiário e nem dos trending topics. Há dez anos é pauta pelos gols, pelos títulos, mas também pela celebridade que sempre fez questão de ser: lançador de tendências, de filosofia de vida, uma máquina de marketing. Em 2012, três anos após virar profissional, já tinha dez patrocinadores pessoais. Seus cortes de cabelo, suas roupas e seus modos passaram a ser copiados por torcedores e também por outros jogadores, alguns quase contemporâneos a ele, desejosos de se tornar o mesmo fenômeno que Neymar virou. Muitas vezes se esquecendo de um detalhe, que era preciso imitar também a qualidade do jogo do garoto nascido em Mogi das Cruzes (SP).
– Há uma correlação entre o campo e o extracampo para as pessoas. Seu jeito de ser, de se vestir, acabam soando como um desdobramento da maneira como joga – explica Marco Roxo, professor da Universidade Federal Fluminense (UFF), que estuda mídia, cultura e produção de sentido.
Para ele, Neymar oscila entre duas representações: a do sacrifício, onde o jogador precisa passar por uma série de dificuldades para chegar onde chegou, e a do dom natural, que ele ajuda a construir com seu estilo de jogo de dribles e improvisações.
Desempenho afeta imagem
Nesses dez anos, Neymar consagrou o lema “Ousadia e Alegria?, com que resumiu seu estilo de jogo e sua conduta quando não está atuando. Amigo do craque, o cantor de pagode Thiaguinho pegou carona e lançou música com o mesmo nome, em homenagem ao jeito de ser do craque. Mais do que jogador de futebol, Neymar passou também a ser uma referência de comportamento.
O estilo divide opiniões, mas passa a ser mais relevante à reputação do atacante quando os resultados não correspondem. Sociólogo e professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), Ronaldo Helal usa Romário como exemplo.
– Ele nunca teve grande comportamento fora de campo, mas isso era secundarizado porque resolvia as partidas. Desde a Copa que Neymar está numa fase de provação. A carreira dele tinha sido até então meteórica e sem provações. Ele precisa passar por isso para ganhar a imagem de herói que o Ronaldo tem, por exemplo. Ele superou a provação da convulsão na final da Copa da França, quando muitos diziam que ele tinha amarelado, e as lesões seguintes para ser campeão em 2002.
Em baixa desde a Copa do Mundo e se recuperando de lesão no quinto metatarso do pé direito, Neymar foi duramente questionado pela imprensa estrangeira nos últimos dias pela participação nas festas de carnaval em Salvador e no Rio.
Fonte: O Globo