Durante os primeiros anos da gestão de Eduardo Bandeira de Mello no Flamengo, presidente entre 2013 e 2018, enquanto o clube divulgava com alarde resultados financeiros positivos, a equipe acumulava desempenho tímido em campo. Os rubro-negros que enxergavam o valor das contas no azul às vezes se chocavam com outros que criticavam o elenco ruim.

O segundo tipo de torcedor aos poucos perde espaço para o primeiro. Cresce a preocupação da torcida com as finanças do clube do coração. Questões antes distantes, como superavit, déficit, ativos e passivos, hoje dividem espaço com a resenha sobre resultados, atuações e análises táticas.

O começo da guinada na mentalidade do torcedor brasileiro ronda a última virada de século. Jorge Avancini, vice-presidente de marketing do Internacional, acredita que o aumento da transparência dos clubes trouxe à tona uma realidade antes desconhecida.

Foi somente em 2003, com a Lei nº10.672, que os clubes de futebol do Brasil ficaram obrigados a publicar anualmente demonstrações contáveis. Criado em 2015, o Programa de Modernização da Gestão e de Responsabilidade Fiscal do Futebol Brasileiro (Profut), foi ao mesmo tempo um marco e uma consequência dessa retirada das finanças dos clubes das sombras.

Paralelamente, o fenômeno dos programas de sócios torcedores aumentou o sentimento da torcida de que ela tem direito de saber como andam as contas.

? Houve uma mudança na cabeça do torcedor. Ele pensa, se é dono do clube, se escolhe o presidente, deve saber das finanças. O consumidor de futebol passou a cobrar mais essa informação ? acredita Avancini.

Além disso, casos de clubes endividados montando times vencedores ficaram mais raros. Com o tempo, a relação entre finanças saudáveis e resultado esportivo ficou mais clara, acredita César Grafietti, economista e consultor do Itaú BBA.

? Esse entendimento não é uniforme e ainda está em fase de desenvolvimento ? ressalta: ? Mas o resultado em campo de clubes importantes como Cruzeiro, Vasco, Botafogo, e a ascensão de Red Bull Bragantino, Athletico, Fortaleza, faz com que os torcedor passe a tentar entender o que explica isso.

 Torcedores vascainos se revoltam com o resultado da partida entre Vasco x Cruzeiro, pela vigesima quinta rodada do Campeonato Brasileiro Foto: Alexandre Brum / Agência O Globo
Torcedores vascainos se revoltam com o resultado da partida entre Vasco x Cruzeiro, pela vigesima quinta rodada do Campeonato Brasileiro Foto: Alexandre Brum / Agência O Globo

Nem sempre é fácil. Antônio Tabet, vice-presidente de comunicação do Flamengo na gestão Bandeira de Melo, lembra que naquela época comunicar os feitos financeiros era importante para tentar amenizar a frustração dos rubro-negros com a falta de melhores resultados no futebol.

Hoje, pode ajudar nessa compreensão a maior preocupação do brasileiro com as próprias finanças. Gabriel Barros, sócio e economista-chefe da RPS Capital, afirma que mudanças estruturais no mercado financeiro do país, como a redução da taxa de juros, que enfraqueceu a poupança, e o aumento da oferta de produtos financeiros, obrigaram o cidadão não tão ligado à economia e sem tantos recursos a cuidar melhor dos investimentos. Com o indivíduo mais atento ao dinheiro na conta, é natural que isso se expanda para o relacionamento com os clubes.

A preocupação final do torcedor segue a mesma ? é a vitória sobre os principais rivais, é o título de peso ao fim da temporada. O que mudou é o entendimento do que é preciso para que esses eventos aconteçam.

? O torcedor mudou o eixo de preocupação dele ? acredita Fernando Fardin, 38 anos, funcionário público e torcedor do Fluminense: ? Não dá para trazer um jogador e dizer que o torcedor vai pagá-lo depois, comprando ingresso para ir ao estádio. O futebol não é mais assim. O torcedor quer o time o vencedor, mas entendeu que isso só é possível com salário em dia, com planejamento para o futuro.