A expectativa de palmeirenses e atleticanos para a partida de ida da semifinal da Libertadores, na terça-feira, contrastou com a frustração de muitos deles após o insosso empate sem gols no Allianz Parque. Mas o sentimento, apesar de quase inevitável, está longe de ser uma novidade. A história do futebol mostra que momentos decisivos dos torneios, apesar de potencializarem emoções, dificilmente entregam um espetáculo correspondente.

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Para achar outros exemplos deste choque de realidade não é preciso ir longe. Basta recuar até janeiro, quando o próprio Palmeiras de Abel Ferreira conquistou a Libertadores sobre o Santos, à época comandado pelo hoje atleticano Cuca, no Maracanã. Antes da catarse provocada pelo gol de Breno Lopes, nos acréscimos do segundo tempo, foram mais de 90 minutos de um jogo para lá de sonolento.

Ocasiões ainda mais nobres são capazes de despertar sentimento semelhante: quem conseguiu se animar com as finais das Copas do Mundo de 2006 e 2014? Mesmo em 2010, com a vistosa Espanha de Xavi e Iniesta no caminho do título, a decisão diante da Holanda não foi de grande exibição.

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? Partidas muito esperadas colocam muita coisa em jogo. É natural, na cabeça das pessoas que participam delas, pesar o que têm a ganhar e o que têm a perder ? explica o colunista do GLOBO Carlos Eduardo Mansur. ? Isso faz com que o equilíbrio entre os riscos que você está disposto a assumir e aqueles que você pretende evitar funcionem como numa balança.

Neste ponto, é preciso fazer uma sutil distinção entre jogar bem e jogar bonito ? ou qualquer outro termo correlato à ideia de espetáculo, tão caro ao brasileiro. O empate em 0 a 0 entre Palmeiras e Atlético-MG ilustra com clareza essa dicotomia, como aponta o jornalista Leonardo Miranda, do blog Painel Tático no site ge:

? Existe uma cultura aqui de avaliar o futebol pela beleza, pela plasticidade, pelo número de gols. Mas uma análise mais fria vai dizer que esse jogo foi muito rico do ponto de vista de ideias.

Em campo, estavam de fato dois profissionais cujas carreiras são pautadas por uma espécie de conservadorismo tático. Abel Ferreira, mesmo nos momentos mais exitosos com o alviverde, mostrou que é eficiente na montagem do sistema defensivo e na transição contra equipes que oferecem espaços. Diante do Galo, um time de nível melhor, teve dificuldades para se resolver com a bola no pé.

O próprio Cuca, embora adepto de um ataque mais móvel, como visto mesmo na passagem anterior pelo próprio Atlético-MG, também começa a estruturação de suas equipes pela segurança defensiva. O pareamento natural de times comandados por eles, portanto, era o que se viu no Allianz Parque ? ainda mais quando levado em conta o fato de que há um jogo de volta ainda a ser disputado.

A força da identidade

Existem maneiras, voluntárias ou não, de atenuar os impactos da atmosfera de decisão na qualidade do que se vê em campo. A principal delas, segundo Mansur, depende justamente da disposição do técnico de se manter fiel ao próprio estilo.

? A marca que distingue grandes times ao longo da História é a capacidade de serem eles próprios nos momentos mais importantes da temporada, nos jogos que colocam muita coisa em jogo ? diz o jornalista, que também destaca a vocação natural dos jogadores para certos comportamentos.

A última final da Liga dos Campões foi um retrato disso: tanto Guardiola quanto Tüchel replicaram as características habituais de Manchester City e Chelsea, respectivamente, no jogo decisivo. O segundo levou a melhor simplesmente porque a execução do plano de jogo se mostrou mais eficiente.

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? É normal o torcedor se irritar quando não vê um jogo ?bom?, mas a gente precisa entender que o futebol não se trata exatamente de beleza. Tem várias vertentes, e não tomar gols é uma delas ? argumenta Miranda.

É difícil vislumbrar cenários muito diferentes no restante da Libertadores. O reencontro entre paulistas e mineiros, na próxima terça, terá um componente de risco a mais, afinal, a classificação precisa ser resolvida. Mas esperar que algum dos dois treinadores abra mão de sua identidade é pedir para se frustrar outra vez.

Na decisão, seja com o Flamengo ou o Barcelona, também haverá incógnitas: o time equatoriano é, de longe, o menos recheado de talentos; já o rubro-negro, desde a chegada de Renato Gaúcho, apresenta identidade camaleônica e imprevisível.