Nas duas últimas décadas, metade dos títulos do Campeonato Brasileiro da Série A ficou nas mãos de São Paulo, Cruzeiro e Corinthians. O clube do Parque São Jorge ainda conquistou a América e o mundo em 2012. Os mineiros dominaram as competições nacionais na segunda metade da última década. Olhando em retrospectiva, as torcidas dos três clubes devem estar se perguntando: onde foi que erramos?

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Hoje, o Cruzeiro amarga o segundo ano consecutivo na segunda divisão. O Corinthians teve dificuldades em engrenar nos últimos anos e não parece candidato a título, e o São Paulo flerta agora com a zona do rebaixamento da Série A.

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Nessas horas, duas palavras parecem ser as preferidas para explicar a situação: má gestão. E a conversa segue num interminável rosário de críticas contra os dirigentes do momento ? na maioria das vezes, justas e justificadas.

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Mas a má gestão sozinha não dá conta de compreender todo o cenário. Mesmo uma boa administração do ponto de vista ético e financeiro, com utilização equilibrada dos recursos, aporte crescente de receitas e pagamento em dia das dívidas, não garante um futuro de sombra, água fresca e títulos. A estrutura atual do futebol brasileiro conspira a favor do desequilíbrio de forças, com poucos investimentos robustos e duradouros e instabilidade política dentro dos clubes. Com poucas exceções, essa tem sido a regra. Para quem tem torcida pequena e quem tem torcida gigante.

Instabilidade

Nem mesmo a situação atual de times como Flamengo, Palmeiras e Atlético-MG, que nadam em milhões de receitas, garante uma hegemonia prolongada. O clube carioca venceu os dois últimos Brasileiros e a penúltima Libertadores. O paulista é o atual campeão do torneio continental, que este ano tem os três, que lideram o Brasileirão, na semifinal. Mas, olhando para os exemplos de Corinthians, São Paulo e Cruzeiro, é impossível dizer que os vencedores de hoje estarão na metade de cima das tabelas amanhã.

Usando campeonatos em países europeus como bússola, fica claro que o problema do futebol brasileiro é estrutural. Aos poucos, começa a ganhar força o seguinte diagnóstico: o modelo tradicional no Brasil produz somente espasmos de boas gestões seguidos de anos no purgatório. Um esporte que movimenta bilhões é administrado, na maioria das vezes, de forma amadora.

O caminho que hoje parece mais promissor para resolver isso é o dos clubes deixarem de ser entidades sem fins lucrativos e passarem a ser empresas. Um dos que compartilham dessa opinião é o advogado Pedro Trengrouse, coordenador Acadêmico do Programa Executivo FGV/Fifa/CIES em Gestão de Esportes.

? Como empresa, o clube pode pensar em abrir capital, emitir debêntures e atrair investimentos com segurança jurídica. Há muito mais segurança para compromissos de médio e longo prazo, fundamentais para gestão eficiente de um negócio que movimenta bilhões como é o futebol brasileiro. E se o gestor de uma empresa não vai bem, é demitido. Num clube-associação, como a maioria é hoje, se o presidente é ruim, precisa esperar anos para tentar trocar ? frisa.

Futebol S.A.

O CEO do Botafogo, Jorge Braga, aponta a lei da SAF (Sociedade Anônima do Futebol), que entrou em vigor no mês de agosto, como um marco. Apesar de considerá-la imperfeita, Braga diz que a lei traz as bases para uma revolução sem volta no esporte no país.

? O futebol brasileiro como um todo encolheu 14% em receitas, e a dívida cresceu 20%. Não estamos falando de um clube ou outro, mas do negócio. Se aconteceu no mercado todo, não é apenas um problema de gestão. É estrutural. A transformação em empresas já aconteceu pelo mundo. Há mercados na Europa em que há mais clubes-empresas do que amadores. Estou convencido de que o mesmo vai acontecer no Brasil. Quem entender isso primeiro, sai na frente. Aqueles que ficarem presos a ideias passadas podem perder o bonde da história ? diz Braga, garantindo que o Botafogo está dando esse primeiro passo .

Modelo português

Alex Brasil, diretor executivo do Vitória-BA, concorda com Braga. A estrutura será transformada pelo clube-empresa, mas, segundo ele, algumas mudanças têm de partir de cima ? no caso, do governo.

Brasil caracteriza como entraves alguns dispositivos da Lei Pelé. Ao considerar o jogador como um trabalhador comum, os clubes ficam extremamente vulneráveis nessa relação, acredita o cartola. Ele, no entanto, não tira a responsabilidade de dirigentes, que fraudam a contabilidade e participam de negócios escusos em vendas de atletas, algo que ficaria mais difícil de acontecer impunemente em clubes administrados como empresas.

? Aqui, infelizmente, o futebol segue a mentalidade política ? diz Brasil, que vê o modelo português como um dos melhores exemplos.

Mudança cultural

É o status quo que deve ser combatido, segundo Jorge Braga, do Botafogo. As “vacas sagradas? do futebol brasileiro, como “só sobe para a primeira divisão time endividado?, não têm mais espaço nos dias de hoje, diz ele. Para o dirigente, elas carregam boa parte da culpa quando se vê clubes antes vitoriosos nadando em dívidas quase impagáveis. A transformação dos costumes terá de ser profunda.

O advogado Marcos Motta, que tem em seu currículo diversas transações de jogadores, entre elas a de Neymar do Barcelona para o PSG, defende a criação de um novo ecossistema. Para ele, o futebol precisa ser tratado como entretenimento. Nessa concepção, o foco deixaria de ser os times e passaria a ser o produto, ou seja, o campeonato. E para exemplificar a sua tese, ele cita o modelo de ligas.

? A La Liga (Espanha), nos últimos anos, perdeu Neymar, Cristiano Ronaldo e agora Messi e, ainda assim, consegue rivalizar com a Premiere League (Inglaterra) porque eles têm a visão de vender um produto ? afirma o advogado.

No Brasil, nos últimos meses, orquestrou-se a criação de uma liga, mas brigas entre dirigentes fizeram o projeto ruir ? falta apenas algum dos cartolas assumir publicamente. Motta ainda vê uma saída.

? O foco no Brasil ainda não é o produto, mas a conveniência. Mas estamos em um momento de transformação em que o consumidor procura qualidade.