Com seu visual de samurai profano, cavanhaque e coque estilosos, o cruzeirense Giovanni deixou o campo bufando. Os olhos vidrados. O corpo ensandecido buscando briga. Tentou se aproximar do juiz. Foi contido. O estádio estava em polvorosa. Havia indignação em cada poro do torcedor. O Cruzeiro tinha buscado a vitória nos acréscimos contra o Operário ? resultado importante para o sonho do acesso. Mas não. O VAR tinha impedido. E Giovanni não aceitava. Sentia a ira santa dos injustiçados. Aos trancos e empurrões, ele desceu para os vestiários. E ali, na penumbra de Sete Lagoas, encontrou duas pobres, indefesas lixeiras.

A primeira estava vazia. O chute foi raivoso. A vítima apenas rodopiou e caiu. A segunda estava repleta de garrafas PET, pratos de papelão e ataduras. O bico espalhou lixo pelo chão. O futebol brasileiro numa imagem ? o jogador indignado descontando num objeto inanimado. O torcedor do Cruzeiro certamente se sentiu representado. E depois, quem sabe, tenha ficado envergonhado. Porque a revolta de Giovanni era, numa palavra, vazia. O gol do Cruzeiro tinha sido corretamente anulado. Com alguma nuance.

A partida na vacinadíssima Arena do Jacaré (sem trocadilho) foi Brasil em muitas direções. Teve confusão. Teve safanão. E teve o gol anulado em cima da hora. Aos 52 minutos do segundo tempo, com o jogo empatado em 1 a 1, Marco Antônio recebeu na área, dominou sutilmente com o braço direito e passou para Marcelo Moreno marcar. Os replays davam clara impressão de mão ? mas não absoluta certeza. E, para mudar uma decisão de campo, o VAR precisa de evidência irrefutável. Por 12 longos minutos, o VAR buscou imagens e jogadores e treinadores discutiram e pressionaram. Vanderlei Luxemburgo foi expulso, ofendeu o quarto árbitro e disse que só sairia de campo com a polícia. A polícia veio. Ele saiu. E depois voltou.

Dalonso viu as imagens disponíveis e anulou o gol. Um ângulo de reportagem do Sportv mostrou que Marco Antônio realmente usou o braço. Só que o VAR não tinha essa imagem. Então… Dalonso decidiu com as outras ? julgou com as provas disponíveis. Podemos especular que se as evidências não eram claríssimas ? o gol ilegal pode ter sido anulado… ilegalmente? Isso seria overdose de Brasil? Tipo ? o sujeito é culpado, mas as provas estão fora do processo. Certo ou errado? Culpado ou inocente?

O jogo ainda teve troca de tapas entre auxiliares, objetos lançados no campo e um drone apreendido pela polícia. Futebol raiz. Mas importa registrar o destempero oco. Giovanni chutava as lixeiras descontando um sentimento genuíno ? e equivocado. Não é novidade dizer que o futebol brasileiro é um espelho da sociedade. Não por acaso, a CBF tem presidentes afastados, presidentes banidos, presidentes-fantasma, presidentes giratórios e até ex-presidente preso (e solto). Mas esses sentimentos que afloram no torcedor comum, no jogador, no treinador… levantam outra questão. Se diante da menor dúvida achamos cabível xingar e duvidar da moral alheia… o que isso diz sobre nós? Nem toda derrota é injustiça, nem todo fracasso tem culpado. No fim, alguém ? provavelmente um funcionário anônimo ? haverá de recolher o lixo espalhado.