Faltavam ainda 14 minutos para o fim da bateria decisiva do WSL Finals quando Gabriel Medina remou em uma esquerda que definitivamente não era uma das melhores ondas do dia. Sem nem precisar ganhar muita velocidade, ele decolou e completou um backflip, o segundo já registrado em um campeonato da WSL (o primeiro também foi dele, em 2016, no Rio). Na transmissão oficial do campeonato, o tricampeão mundial Mick Fanning interrompeu seu comentário e gaguejou um “oh my”. Dono de 11 títulos, Kelly Slater apenas riu. As lendas do esporte talvez tenham tomado, de maneira espontânea e sutil, uma atitude simbólica: faltavam palavras para definir a performance de Medina no caminho para o tricampeonato mundial.

O backflip, que valeu nota 9,03 e selou a vitória sobre um até então eletrizante Filipe Toledo, foi a cereja do bolo em um dia de ótimas ondas e belas performances, especialmente dos quatro finalistas – Medina, Toledo, a campeã feminina Carissa Moore e a vice Tatiana Weston-Webb. A World Surf League apostou alto com a mudança do formato de decisão, do tradicional ranking de “pontos corridos” para o mata-mata em um dia único. Choveram críticas – especialmente de surfistas como Medina -, que se transformariam em uma enxurrada se a decisão fosse realizada em ondas ruins e com campeões inesperados, um eufemismo para “injustos”.

Gabriel Medina voa em uma esquerda em Trestles Foto: Pat Nolan / World Surf League via Getty Imag
Gabriel Medina voa em uma esquerda em Trestles Foto: Pat Nolan / World Surf League via Getty Imag

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Afinal, se alguém merecia ficar com a taça nesta temporada, eram Medina e Carissa, que dominaram o circuito do início ao fim, com sobras. A havaiana ainda levou um susto ao perder a primeira bateria final para Tatiana Weston-Webb, mas se recuperou e fez valer seu maior talento.

Gabriel Medina e Carissa Moore, os campeões mundiais de surfe de 2021 Foto: Pat Nolan / World Surf League
Gabriel Medina e Carissa Moore, os campeões mundiais de surfe de 2021 Foto: Pat Nolan / World Surf League

 

Medina nem susto levou. A sensação era que ele sairia vitorioso mesmo que precisasse encarar todos os outros quatro finalistas – Morgan Cibilic, Conner Coffin, Italo Ferreira e Toledo -, um atrás do outro, em fila indiana. O paulista de 27 anos não tinha um retrospecto animador em Trestles, onde sua única vitória havia acontecido no longínquo 2012, em uma etapa da divisão de acesso, mas mostrou variedade de manobras, atacando as direitas com um backside potente e soltando seu arsenal de aéreos – incluindo aí o backflip – nas esquerdas, que normalmente são menos pontuadas na onda californiana.

 

Do outro lado estava um afiado Filipe Toledo, competindo em uma onda que conhece muito bem (mora na Califórnia desde 2014) e onde já havia vencido uma etapa do CT, em 2017. Parecia o palco perfeito para ele conquistar seu primeiro título mundial, e a expectativa foi aumentando com as vitórias sobre Conner Coffin (de virada no finzinho, em um teste para cardíacos) e Italo Ferreira, que não consegue se dar bem em Trestles. Diante de Medina, porém, Toledo caiu demais e não encontrou respostas para as boas notas do adversário.

Com a vitória no WSL Finals, Medina afastou qualquer possibilidade de injustiça criada pelo novo formato. Em sua entrevista ao sair da água, ele soltou duas afirmações com cara de alfinetada – consciente ou inconscientemente: “Deixei meu surfe falar” e “Tive que surfar muito para vencer esse título”. No formato tradicional, a taça já teria ido para Maresias com antecedência de ao menos uma etapa. Por linhas tortas, o troféu acabou ficando nas mãos certas.

. Foto: Arte O GLOBO
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