Andrew Parsons mal vai conseguir descansar. O brasileiro concluiu a realização de seus primeiros Jogos na presidência do Comitê Paralímpico Internacional (IPC) já com novas missões pela frente. Daqui a seis meses começa a edição de inverno, que será realizada em Pequim sob o risco de ser a mais polêmica de todas por tensões diplomáticas envolvendo a China. Além disso, precisa compensar os atrasos que a pandemia causou na preparação para Paris-2024. Ao GLOBO, ele fala sobre a experiência no Japão e as perspectivas para os próximos anos.

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Que avaliação faz de Tóquio, uma edição em meio à pandemia e sem público?

Os resultados foram fantásticos. Claro que havia a preocupação da preparação ser prejudicada pelo lockdown em diversos países. Mas o que vimos em termos esportivos foi incrível. Novos atletas surgindo, países novos muito fortes. Este foi o recorde de países com medalhas (86). Isso mostra um crescimento. Também funcionaram muito bem as restrições, as medidas. Claro que tiveram casos positivos (de Covid-19), mas foram bem administrados. Não provocaram nenhum surto dentro da vila ou fora. Todo mundo comenta que, se tivesse público, estes Jogos teriam sido inigualáveis.

Houve uma rejeição muito grande do público japonês antes dos Jogos Olímpicos. Como se deu com a Paralimpíada?

Tínhamos contato com os voluntários e com as pessoas que trabalharam aqui. E tem as notícias locais. Mudou bastante. Houve uma postura antes dos Jogos Olímpicos. As medalhas para os atletas japoneses ajudaram a arrefecer. Depois, recrudesceu um pouco no intervalo. Tinha setores falando em cancelamento. Mas isso vinha ao sabor dos números da Covid-19 no Japão. Conseguimos comprovar que não havia relação com a gente, que as medidas de precaução dos Jogos funcionaram. E o apoio veio.

Fica algum legado para a população local?

Tenho acompanhado o Japão desde 2013. Então você vê muitos programas no governo japonês, de Tóquio, do comitê organizador para mudar a visão sobre as pessoas com deficiência: legislação alterada, programas, muitas coisas. Vejo um legado muito grande. Só vamos conseguir medir ao longo de alguns anos. Mas a gente percebe essa mudança, sim. Uma visão menos superprotetora, de entender que as pessoas com deficiência precisam de oportunidades e não ficar escondidas em casas.

Já se pode analisar melhor o legado que a Rio-2016 deixou no Brasil? Não só esportivo, mas no âmbito da sociedade.

Tivemos o legado obviamente do CT e de recursos financeiras para o comitê paralímpico. Mas a lei brasileira da inclusão sem dúvida foi tirada da gaveta, estava há dez anos no Congresso. Os Jogos foram o catalisador para aprovar aquela lei em 2015, que não só beneficiou o esporte, mas as pessoas com deficiência de forma geral. E a gente viu os números de empregabilidade no Brasil crescerem. E houve um investimento de infraestrutura no Rio de Janeiro: BRT acessível, tentar tornar os arredores das estações de metrô acessíveis…

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Já vê alguma mudança em Paris?

Existe na França uma secretaria de estado de pessoas com deficiência. A ministra veio aqui (em Tóquio), e programas já foram implementados em Paris. Mas claro que os Jogos têm esse efeito potencializador. Todo o planejamento é feito para explodir nos Jogos. E a pandemia afetou. Pegou um ano e meio de uma preparação importante. Muitos eventos não aconteceram e programas não foram implementados. Agora temos que correr contra o tempo para ter esse legado de percepção e inclusão das pessoas com deficiência. Trabalhar a legislação. Nós falamos muito sobre empregabilidade. Entendemos que o emprego traz consigo a questão da cidadania.

E o que esperar de Paris-2024?

Antes, tem Pequim daqui a seis meses. É um foco enorme para a gente. Estamos acompanhando estas questões das relações de alguns países com a China. A gente não quer que os Jogos sejam misturados neste contexto. Estamos tentando protegê-los de questões políticas.

Para Paris as expectativas são diferentes. Estamos voltando com os Jogos de Verão para a Europa depois de Londres-12, que levou o esporte paralímpico a outro patamar. Queremos que Paris seja mais um impulso neste sentido. Tem um programa incrível com as modalidades na cidade. O parisiense vai estar ali no meio. E isso, quando se fala de pessoas com deficiência, é muito importante. A gente pretende que estes Jogos sejam uma nova Revolução Francesa no que diz respeito à inclusão definitiva das pessoas com deficiência.

Como foi administrar a questão envolvendo os atletas afegãos após a ascensão do regime Talibã?

Fomos contactados por uma série de organismos internacionais e alguns governos responsáveis pela evacuação dos atletas. Sempre nos posicionamos que, a partir do momento que chegassem em Tóquio, teriam todo nosso apoio e flexibilidade para competir. A gente sabe como é o regime do Talibã. A ideia era manter o maior sigilo possível. Recebi a Zakia e o Hossain quando chegaram na vila. Tivemos uma conversa de meia hora. Foi um momento inesquecível na minha vida ter contribuído. Já tem governos oferecendo asilo. Eles não voltam para o Afeganistão.

A despedida do Daniel Dias ficou marcada pela polêmica das reclassificações. Você já disse que há um estudo em andamento para trazer modificações. O que pode contar?

É um processo que vai levar, pelo menos, três anos. Existe um grupo central que é liderado por um ex-atleta. Há representantes de atletas, federações internacionais, experts da área da ciência, associações de deficiências que não estão na Paralimpíada… É muito democrático e de alto nível. Mas não fala só de reclassificação na natação. Fala de uma forma geral. O que aconteceu com o Daniel e o André Brasil (ficou inelegível para o esporte após uma avaliação) mostra que há muito a evoluir. Isso a gente aceita. Na questão da tecnologia, que muito se fala, infelizmente não existe um scanner classificador. Mas apoiamos centros de pesquisa nesta área e universidades ao redor do mundo. Temos colocado recursos para que se possa chegar a esse nível de contar com mais tecnologia.