Daniel Dias, que se aposentou esta semana após sua última prova em Tóquio, soma dez patrocinadores. Uma rede de apoio que permitia a ele escolher os profissionais com quem trabalhava e até montar sua base próximo à família. Mas o nadador é uma exceção. Afinal, trata-se do maior nome da história do esporte paralímpico brasileiro. A realidade da grande maioria de seus companheiros é outra. Assim como a luta por medalhas, financiar a carreira no paradesporto é uma jornada desgastante.

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O grande patrocinador da delegação brasileira em Tóquio é o poder público. Principalmente o Governo Federal. Dos 232 atletas, 222 estão contemplados com o Bolsa Atleta. Significa que 95,7% do total faz parte do programa de patrocínio individual. Em 2016, este percentual foi de 90,9%.

Para efeitos de comparação, no grupo que disputou os Jogos Olímpicos a porcentagem foi de 80% (242 de 302). Também houve crescimento proporcional em relação à edição anterior (77%).

 

Entre os que estão em Tóquio, a bolsa varia da categoria Internacional, que paga R$ 1.850 mensais, à Pódio, cujo pagamento varia de R$ 5 mil a R$ 15 mil por mês. A distribuição destes valores é como uma pirâmide: poucos recebem as quantias mais altas.

Como os custos incluem a contratação de profissionais, aquisição de produtos e de equipamentos específicos e deslocamentos, este benefício não é suficiente. Importante lembrar que no caso de atletas paralímpicos os gastos médicos são ainda mais elevados.

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Alguns estados também atuam como patrocinadores do paradesporto. Inclusive com pagamentos individuais. O caso mais expressivo é o do Time São Paulo, que em sua versão atual apoia 57 nomes.

Quanto mais jovem, menos opções tem o atleta, já que estes programas públicos são mais presentes no alto rendimento. Além disso, como não dispõem de muitos recursos, os clubes e associações em sua grande maioria remuneram apenas os atletas de ponta. Isso quando possuem verba.

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No começo da carreira, a ajuda da família é fundamental. E o objetivo de curto prazo acaba sendo mostrar logo potencial para ser convidado a treinar nas instalações das modalidades a nível de seleção (sendo a principal o Centro Paralímpico, em São Paulo). Lá, há uma oferta de profissionais e de estrutura que, além de ajudá-los a evoluir, os permite reduzir custos.

Apesar da maior visibilidade de quem participa de mundiais e Paralimpíadas, o setor privado ainda é tímido. A Toyota aparece como patrocinadora do Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB), que ainda tem a Ernst & Young, a Estácio, a Ajinomoto e a Alpargatas como parceiros. Mas sua maior fonte de financiamento é o dinheiro da Lei Piva, que destina uma parcela da arrecadação com as loterias. Algumas empresas também apoiam diretamente os atletas, como fazem a própria Ajinomoto, a Nissan e a Petrobras.

? Se você não tem patrocínio, não acompanha o que tem de competição no mundo, não evolui. É uma cadeia ? atesta a ex-jogadora de vôlei de praia Adriana Samuel, gestora do Time Petrobras. ? Vim de uma modalidade em que era fundamental buscar patrocínio. Eu contratava técnico, preparador… Como ia viajar para as etapas do circuito mundial? E isso acontece com todos os atletas. Precisam viajar, disputar torneios. Os comitês dão apoio, mas não para todo mundo.

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Algumas modalidades contam com patrocínio próprio. O único que vem do setor privado é o do paratletismo, que recebe dinheiro da Braskem. A marca, por sinal, é a única que apoia exclusivamente o esporte paralímpico. Nas demais, a verba é dividida entre o esporte convencional e o adaptado.

? A Braskem é uma empresa B2B (faz negócio com outras empresas). Não faz sentido para uma B2B ter a marca na camisa do Corinthians, patrocinar buscando visibilidade para vender mais. Fazemos pela associação com nossos valores ? explica Ana Laura Sivieri, diretora de marketing da Braskem. ? Nosso compromisso é de trazer para a sociedade o olhar sobre o paratleta. Que pare de rejeitá-lo.

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Dentro do esporte paralímpico, há um reconhecimento de que o apoio do setor privado aumentou em relação aos últimos anos. Mas ele ainda está longe de acabar com a dependência do patrocínio público. Fruto da ainda pouca visibilidade do paradesporto.

? O esporte olímpico já trava uma batalha para conseguir investidores. Mas quando o empresário do Lucarelli ou da Flávia Saraiva chega numa empresa já é meio caminho andado. Porque não tem que perder tempo falando quem são eles. Faço esta comparação porque esta é minha maior dificuldade. Tirando o Daniel Dias, as pessoas não conhecem o esporte paralímpico, as modalidades e que os atletas brasileiros são bons. Estamos muitos passos atrás ? conta Mônica Valentin, empresária com seis clientes em Tóquio, incluindo Daniel Dias:

? Do ponto de vista do marketing, é uma situação inaceitável. O que é bom para vender o atleta? Títulos, conquistas. E você tem uma chuva de medalhas para o Brasil todo dia. Mas as pessoas não sabem quem são eles.