Adversário do Fluminense, às 20h, em São Januário, o Atlético-MG vive um verdadeiro paradoxo financeiro. Ao mesmo tempo em que estima ter uma dívida de R$ 1 bilhão, coleciona contratações de astros como Hulk, Nacho Fernández e Diego Costa ? investimento e salários altos na busca por títulos de expressão. Então, é natural que os torcedores ? rivais ou não ? façam a pergunta: “de onde vem o dinheiro?? A resposta passa por investidores fanáticos e a arriscada aposta em um projeto que será um sucesso retumbante ou um fracasso inacreditável.

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Para destrinchar a dívida, as finanças e o investimento feito, é preciso saber quem são os mecenas por trás de tudo isso. Rubens Menin, por exemplo, é fundador e presidente do conselho da MRV Engenharia. Seu filho, Rafael Menin, divide a gestão das empresas da família. Ricardo Guimarães, acionista do Banco BMG, vem de relação longeva com o alvinegro. Completa o quarteto de R’s Renato Salvador, da família dona da principal rede hospitalar de BH, o Mater Dei.

Ao fim de 2019, o Galo fechou o Brasileiro em 13º lugar. Sérgio Sette Câmara, presidente à época, colocava em prática uma política que tentava amenizar o grave endividamento do Atlético e que tinha como efeito colateral previsível a pouca capacidade de investimento no futebol naquele momento. Ao acenar para os quatro R’s, Câmara conseguiu trazê-los para dentro do clube. Foi o começo da guinada.

A primeira intervenção foi a contratação do técnico Jorge Sampaoli, que chegou ao custo de R$ 1,2 milhão por mês. A MRV se responsabilizou a pagar a maior parte.

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? Nosso grupo surgiu há mais de dez anos, os Amigos do Galo. Fomos importantes para o Atlético, quando ele estava na Série B. Fomos ajudando o clube, mas não estávamos dentro do Atlético como agora. Nossa meta é transformar o Atlético em potência do futebol mundial. Doamos o terreno para a construção do estádio, estamos cuidando de toda parte financeira dele. Tem sido muito trabalho ? conta Rubens Menin ao GLOBO.

Uma condição dos investidores para a entrada de tamanho volume de dinheiro foi o controle não apenas administrativo do Galo, mas político. Menin afirma que atualmente o Atlético está pacificado, o que significa a ausência de oposição no Conselho Deliberativo. Neste caso, ocorreu o enfraquecimento do grupo do ex-presidente Alexandre Kalil, atual prefeito de Belo Horizonte. Sérgio Coelho, atual presidente, foi candidato único, com a devida benção dos quatro R’s.

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Os números não são transparentes, mas estima-se que cada um dos investidores já colocou no Atlético, desde o ano passado, em forma de doação ou empréstimo, cerca de R$ 400 milhões. Para um clube que, antes da chegada do quarteto, já devia cerca de R$ 830 milhões, um endividamento tão brusco, em um período tão curto, seria motivo de preocupação.

Não há caridade neste processo e o Atlético-MG terá de devolver este valor em algum momento. A paixão pelo clube ajudou a colocar os investidores no fim da fila de credores, segundo Menin.

? Apesar de devermos muito dinheiro, temos muito mais patrimônio do que dívida. O investimento da arena vai gerar um estádio de R$ 1 bilhão. Queremos terminar essa gestão com o Atlético-MG tendo um patrimônio líquido de mais de R$ 2 bilhões. Acreditamos que é possível. Nós apenas investimos porque temos confiança de que poderia ser investido.

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A lógica do projeto é de que os aportes financeiros gerados por um time competitivo (premiações e valorização de jogadores), e mais a geração de novas receitas com o estádio são capazes de tornar o Atlético um negócio lucrativo e, com isso, o clube poderá quitar suas dívidas, antigas e novas, com os quatro R’s.

Caso o projeto não caminhe como o esperado, haveria outros meios de o Atlético-MG pagar a dívida. Por exemplo, a propriedade do shopping Diamond Mall, onde o clube é dono de 49,9% e a primeira metade rendeu R$ 250 milhões. Ou até mesmo a Arena MRV, estádio que é erguido com a expectativa de valer R$ 1 bilhão.

O argentino Nacho Fernandez celebra seu gol contra o River Plate com o chileno Eduardo Vargas Foto: JUAN MABROMATA / AFP
O argentino Nacho Fernandez celebra seu gol contra o River Plate com o chileno Eduardo Vargas Foto: JUAN MABROMATA / AFP

Salários nível Europa

A resposta do futebol à injeção de capital foi imediata. Hoje, o time lidera o Brasileiro, está na semifinal da Libertadores e nas quartas da Copa do Brasil. Um dos responsáveis por transformar o dinheiro abundante em elenco competitivo é Rodrigo Caetano, diretor de futebol.

É a segunda vez que ele trabalha em um clube com mecenas injetando dinheiro e interferindo nas escolhas internas. Em 2012, era diretor do Fluminense, campeão brasileiro após a Unimed de Celso Barros investir pesado na montagem do elenco que tinha Deco, Thiago Neves, Fred, entre outros.

A contratação de Diego Costa, ainda com mercado na Europa, revela o patamar salarial que o clube alcançou para bater de frente com Flamengo e Palmeiras no Brasil.

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? Quando não precisamos fazer o investimento na aquisição de direitos, conseguimos diluir o recurso que temos para a contratação em salários, direitos de imagem, premiação, e competimos com alguns clubes da Europa. Flamengo e Palmeiras também conseguem. E aí, entre estar em um clube sem grandes ambições de título no futebol europeu e estar em um projeto que busca ser vencedor, como é o do Atlético, o jogador prefere vir para cá ? explica Caetano.

Segundo ele, a influência dos investidores atleticanos é ainda mais direta do que de Barros no tricolor. Há uma preocupação, de acordo com Menin, em transformar o Galo em um clube autossustentável num patamar elevado para níveis brasileiros depois que os investimentos acabarem. Por isso o olhar sobre todos os setores. Sérgio Coelho acaba sendo praticamente figura institucional.

Falta de transparência

Neste suposto mar de rosas, a preocupação está na falta de transferência com relação às finanças. Não é do costume do clube publicar os balancetes com o quadro completo ? e quando faz, não traz informações completas. Uma promessa do ex-presidente Sérgio Sette Câmara que nunca foi cumprida. Hoje, as finanças do clube mineiro estão “no escuro? para os torcedores e para mídia, o que historicamente é preocupante.

Cesar Grafietti, consultor do Itaú BBA, afirma que o Atlético-MG tenta emular o modelo do Palmeiras com Paulo Nobre ? o então presidente emprestou dinheiro para o clube, que conseguiu finalizar estádio, incrementar receitas com a formação de jogadores e que atualmente, mesmo se não tivesse o aporte da Crefisa, já estaria em um patamar de investimento competitivo no país.

Sua maior questão paira sobre a capacidade de crescimento das receitas do Atlético-MG a ponto de conseguir pagar o passivo gerado com a entrada dos investidores.

? O Atlético é um clube com torcida mais localizada, que tem presença muito local. Minha dúvida é saber se tem a condição de fazer todo esse dinheiro que precisa. Ainda falta uma geração de receita maior com a base e não sei se ele vai conseguir recuperar o investimento na montagem desse elenco caro, com a revenda de atletas.

Para Grafietti, uma coisa é clara: o Galo não deve ser um novo Cruzeiro, o rival que depois de anos de endividamento para criar times competitivos, viu a bolha estourar e agora amarga a Série B.

? São projetos bem diferentes, com estilos distintos. Não creio que os envolvidos no projeto do Atlético-MG deixarão acontecer isso.