Camisa 10 da seleção de base, redes sociais que refletem uma vida tranquila, normal para um jovem de 17 anos, e aspirações profissionais fora dos gramados em um país que vivia, na medida do possível, a experiência de um regime democrático. Em poucos dias, tudo isso desmoronou na vida de Zaki Anwari. Em um ato de desespero após a invasão de Cabul pelas tropas do Talibã, o jovem atleta foi um dos afegãos que morreram ao tentar se agarrar a um avião em fuga do país.

“Anwari era um das centenas de jovens que queria deixar o país. Em um incidente, caiu de um avião militar americano e morreu”, escreveu a federação afegã de futebol de base, em comunicado decretando luto pelo jogador e pedindo orações pela família.

Em seu perfil no Instagram, Anwari já não demonstrava tanta conexão com o futebol. Se apresentava, inclusive, como ex jogador da equipe sub-16, da qual foi camisa 10. Apesar de ter idade, não participou da maior glória das categorias de base do futebol afegão: a classificação e disputa da Copa da Ásia sub-16 em 2019.

Anwari com a camisa 10 da seleção de base afegã Foto: Reprodução/Instagram
Anwari com a camisa 10 da seleção de base afegã Foto: Reprodução/Instagram

 

Ainda assim, vivia a rotina de um jovem que, vindo de uma família pobre de Cabul, tentava aliar os estudos com os sonhos, como o de chegar na seleção de seu país. Aos 17 anos, nasceu poucos anos após a tomada do Afeganistão pelas forças de coalização norte-americanas e da OTAN, que expulsaram o Talibã e ergueram o regime democrático de Hamid Karzai, em 2001. A experiência de viver sob um governo de raízes fundamentalistas, pela qual passaria, nunca fez parte da vida de Anwari.

Os atletas foram uma das categorias que mais sentiram a retomada de Cabul pelo grupo. As leis impostas pelo Talibã envolvem cerceamento de direitos, em especial às mulheres, e o posicionamento contrário ao ocidente coloca em risco as carreiras dos esportistas locais, que cresceram em oportunidades com a globalização e a abertura do país no início dos anos 2000.

Ainda no Instagram do jovem, é possível ver traços do maior intercâmbio cultural com o ocidente sob a qual sua geração cresceu. Assim como vários jovens afegãos de sua idade, Zaki fazia diversas postagens em inglês. Em seus stories e postagens na linha do tempo, aparecia como modelo em ensaios fotográficos, em publicações permeadas por frases motivacionais.

 

Entre as postagens, chama atenção uma foto do líder revolucionário Che Guevara. “Os homens são as ferramentas uns dos outros”, dizia a legenda. Numa última e simbólica postagem, há cerca de um mês, Anwari registrou o exército afegão, com hashtags como #afeganistãolivre.

? Ele era gentil e paciente, mas como boa parte de nossos jovens, viu a volta do Talibã como o fim de seus sonhos e oportunidades esportivas. Não tinha esperança e queria uma vida melhor ? disse Aref Peyman, diretor de relações públicas da federação de esportes e do Comitê Olímpico do Afeganistão.