O comunicado do Barcelona que selou a saída de Messi do Camp Nou, divulgado na última quinta-feira, apontou um culpado claro para o fracasso na tentativa de permanência do argentino no clube: La Liga. De fato, a liga de futebol da Espanha tem influência direta no desfecho da história entre o clube e seu ex-camisa 10, graças à aplicação severa das regras de fair play financeiro no futebol local. Mas então, por que o PSG, que já tem tantos jogadores que recebem cifras vultuosas em seu elenco, pôde contratá-lo? A diferença está justamente em como as ligas locais lidam com essas regras.

Apresentação:No PSG, Messi lembra Barcelona e comemora encontro com Neymar e colegas argentinos: ‘Quero uma Champions’

O Barcelona enfrenta uma crise financeira, é verdade. Os cerca de 70 milhões de euros anuais que pagavam a Messi já não eram uma realidade palatável ao clube, que buscava cada vez mais a redução de suas despesas. Do ponto de vista de levantar recursos, não era impossível aos blaugranas pagar o salário do jogador, principalmente após Leo oferecer um corte de cerca de 50% em seus ganhos no Camp Nou. Ainda assim, haveria quebra nas regras financeiras.

Multidão recebeu o jogador na festiva apresentação em Paris. O argentino disse que será estranho jogar pelo PSG contra o ex-clube em Barcelona

Multidão recebeu o jogador na festiva apresentação em Paris. O argentino disse que será estranho jogar pelo PSG contra o ex-clube em Barcelona

 

Na Espanha, uma das ligas com a mão mais pesada em questões financeiras, o fair play, felixibilizado na última temporada e retomado agora, permite que os clubes gastem um teto 70% de suas receitas no ano anterior com salários no futebol profissional. Atualmente, a folha salarial do Barça excede esse valor: equivalia a 110% das receitas com Messi. Sem ele, o valor cai para 95%. A situação segue dramática para o clube, que precisa seguir cortando gastos, vendendo atletas ou buscando novas receitas para equilibrar esse balanço, sob risco de não poder inscrever novos jogadores.

Trio de diamantes:veja quanto o PSG gastará por temporada apenas com o salário de Messi, Neymar e Mbappé

? Os números são bem piores do que os expostos inicialmente. Não podemos prolongar a agonia. Dois dias atrás, cheguei à conclusão de que deveríamos dar um “basta”, não conseguiríamos mantê-lo ? disse o presidente do Barcelona, Joan Laporta, na última sexta-feira.

O Barça, um dos principais líderes do fracassado projeto da Superliga Europeia, optou por não prolongar ainda mais a novela e dividir publicamente a “culpa” da saída do argentino com a liga local. Nos bastidores, Laporta também teria sido um dos presidentes a se posicionar inicialmente a favor de um financiamento milionário do fundo CVC aos times espanhóis, iniciativa que causou polêmica na última semana, após dirigentes apontarem problemas no acordo que podem comprometer as finanças futuras dos clubes, mas mudou de ideia. A injeção de receitas daria ao Barça, em projeção, cerca de 50% a mais de espaço salarial, mas não resolveria o problema de Messi, segundo o mandatário.

E o PSG?

Na França, o fair play financeiro é aplicado de forma diferente, e primordialmente pela Uefa. Por lá, não existe a possibilidade de frear a inscrição de novos jogadores e, por ora, não há delimitação do coeficiente de salários e receita, como na Espanha. Cabe à entidade analisar as contas das equipes para verificar incongruências entre as finanças dos clubes e os gastos. Com a pandemia da Covid-19, o PSG pôde se armar ainda mais para a negociação, com flexibilizações de prazos de fiscalização e a revisão do modelo.

? A diferença básica está no momento de aplicação. Na Uefa ele é aplicado depois dos balanços publicados. Ele é mais punitivo que preventivo. O de La Liga é preventivo, ou seja, os cálculos são feitos com os dados do ano anterior e o orçamento do próximo. Assim, eles informam antes aos clubes o quanto podem gastar. Na Uefa eles “remediam” o estrago do ano anterior ? explica o economista Cesar Grafietti, consultor do Itaú BBA.

 

A aplicação de uma regra semelhante à da Espanha, também envolvendo uma cota de 70% das receitas para salários, estava prestes a ser instituída na França. Mas a Ligue 1, uma das poucas a encerrar sua edição em meio ao estouro da pandemia, adiou a implementação até a temporada 2023/24, sob o pretexto das perdas financeiras geradas pela crise sanitária. O contrato de Messi se encerra na temporada 2022/23, mas inclui cláusula de renovação por um ano.

Para Grafietti, as diferenças entre os modelos de fiscalização se discutem na base da eficiência. Ele explica que os das principais ligas domésticas do mundo, como a Premier League e a a Bundesliga, são reativos, como o da entidade europeia.

? O espanhol trava mais e isso ajuda a evitar problemas. O da Uefa atua com atraso, então pode correr o risco de deixar passar algum problema, mesmo que haja a capacidade de pedir esclarecimentos antes ? avalia.

Da última temporada para cá, o PSG estima perda de quase 300 milhões de euros, segundo a imprensa europeia. Ainda assim, o clube ostentou despesas de 556 milhões de euros para uma receita de 559 milhões em seu último balanço. Na entrevista coletiva de apresentação de Messi, o presidente Nasser Al-Khelaifi garantiu que o clube ? que já teve suas contas investigadas pela Uefa ? está seguindo as regras financeiras.

? Nós seguimos toda a regulamentação para as negociações. Sempre mantivemos o fair play financeiro, as regras, falamos com as pessoas dos mundos jurídico e financeiro. Fizemos tudo com o maior cuidado, para saber se teríamos essa capacidade. Não queríamos prometer algo que não pudéssemos cumprir.