Eu nasci para ser ginasta. Ignorei as pessoas que falaram que eu não chegaria a lugar nenhum, que meus irmãos seriam perdidos na vida e que minha mãe só teria desgosto. É totalmente o contrário. Minha mãe, que sempre esteve ao meu lado, criou pessoas incríveis, educadas, felizes e honestas. É a minha maior referência. Antes da viagem ao Japão, ela me disse “Seja feliz”.
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Quando entrei naquele avião, rumo ao Japão, a única coisa que pensei foi: “Agora vai ou racha!”. Não que eu tenha me sentido cobrada. Não aconteceu isso. Eu treinei muito e estava preparada. Eu sabia, lá no fundo que era a minha vez de fazer o que eu sei fazer. Havia passado dois anos sem lesões graves e isso muda tudo. Então, eu só queria fazer boas apresentações, mostrar a Rebeca para o mundo. Era isso. Acho que eu consegui, né? Quando as medalhas vieram, foram consequência. E também recompensa. Eu acredito que estava tudo prometido, planejado… Era para ser assim, nesse tempo, nessa situação.
Eu vivi em Tóquio tudo o que quis viver, o que Deus preparou para mim, lá no início, e que esperei tanto para conquistar. Eu quase não cheguei ao Japão, é verdade. Mas aproveitei tudo o que pude quando a oportunidade chegou. E foi incrível. Então, eu não falaria que é um sonho porque eu estava muito acordada. Em nenhum momento precisei pedir para me beliscarem. As medalhas estão aqui no meu peito ? e as duas juntas pesam no pescoço ? porque eu trabalhei e porque tive muita gente ao meu redor.
Além de estar preparada tecnica e fisicamente, eu também estava preparada psicologicamente. Nem tremi quando entrei nas competições. Não fiquei nervosa, eu estava no controle… Só precisava fazer o meu, não foquei em ninguém. Apenas em mim. Mas nem sempre foi assim. No início eu ficava impressionada com as outras. Nada como anos de terapia. Faço desde os 13 anos e aprendi a encarar a competição com outros olhos.
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E se a Simone Biles estivesse nas mesmas finais? A ginástica é um esporte em que tudo pode acontecer. Você pode ser o melhor do mundo e não competir bem. Essa é a beleza do esporte. É preciso entrar lá e fazer. É preciso estar saudável e competir. É preciso conseguir mostrar o que se faz em treino na hora H. Se não, para que existe a competição? Em momento algum achei que seria mais fácil ou mais difícil, com ou sem ela. Porque eu tenho de pensar em fazer a minha parte. No Mundial de 2018, meu primeiro, a Biles falou comigo. Foi muito carinhosa e disse para eu não desistir. Espero que ela realmente se recupere.
Histórico de lesões
Quando subi no pódio nos Jogos de Tóquio (e por duas vezes!), o público me viu sozinha. Mas eu levei muita gente comigo, muita gente mesmo. Não caberia naquele espaço. Mas acreditem, eu olhei para o lado e estavam todos lá comigo. Não estou falando apenas da família e da incrível equipe que me apoia todo santo dia. Eu levei comigo todos os que passaram na minha vida, que me ajudaram a alcançar meu objetivo. Levei comigo as enfermeiras e os médicos que me operaram três vezes no mesmo joelho, o direito. Eles cuidaram tão bem de mim, fizeram o melhor dentro das suas especialidades mas também me deram carinho. Eu levei um país inteiro.
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Imagens que nunca esqueci vieram à memória no Japão. Em 2019, quando passei pela terceira cirurgia e quando tive de tranquilizar o meu treinador, Francisco Porath Neto. Desta vez, já sabia o que esperar. Lembro daquela enfermeira que veio me dar a última dose de medicação, eu já grogue, e de quando comecei a rezar. Rezei por todos que estavam ali no meu quarto, pela equipe médica, agradeci a Deus e pedi proteção. Senti conforto, um abraço. Eu soube que ia ficar tudo bem. Depois, lembro com carinho do médico trocando o meu curativo e eu finalmente voltando aos poucos, sempre pensando na minha meta: Tóquio.
Não são lembranças ruins, são marcantes, reconfortantes. Tanta gente boa passou pela minha vida. Não tinha como dar errado. Quando penso em Tóquio, penso nesse caminho. Todas as vezes que precisei voltar de cirurgia, que eu deixei de competir por alguma questão. Eram momentos em que estava bem, forte… mas hoje vejo que tinha de acontecer. Lógico que na época das cirurgias foi horrível, mas hoje eu percebo o quão determinada eu voltei. Depois de cada uma delas, de cada pausa forçada.
Eu cresci muito com cada uma dessas voltas. Eu me conheci melhor em cada uma dessas voltas. E também me surpreendia quando voltava melhor. Sabe quando a coisa vai se somando? Eu voltava melhor e melhor e melhor e sentia segurança com isso. Sempre, em todas essas situações, eu tinha muita gente ao meu lado. E quando via esse apoio, mais vontade de retribuir eu sentia. Que loucura pensar que todo esse sofrimento me dava mais energia.
Minha meta era os Jogos do Rio, em 2016. E pouco antes do que seria a minha primeira grande competição, o Pan-americano de 2015, acabei rompendo o ligamento do joelho, ao aterrissar ainda girando em um salto durante um treino. Precisei de oito meses para me recuperar e mesmo assim disputei a Olimpíada do Rio. Não estava no meu auge físico.
Lembranças
Jamais vou esquecer cenas vividas em Tóquio. A bandeira do Brasil no pódio é muito emocionante mas também o reconhecimento. Gente que eu nem conhecia vindo falar comigo. Me dando os parabéns, querendo tirar foto. Alguns eu vi nos olhos a emoção. Eu fiquei tão feliz com isso… Sabe quando a gente sente algo no peito, uma emoção que explode? É difícil de explicar. Mas eu senti. Se meu exemplo serviu para ajudar uma pessoa que seja, que essa pessoa buscou força lá do fundo para vencer algum obstáculo, já estou satisfeita. Isso sem contar as redes sociais que bombaram, né? Muitos famosos mandando mensagem desde o resultado da primeira final. A Jesse J e a Iza, amooooo! Hoje eu sei que um Brasil inteiro torceu por mim, mandou energia e todos vocês poderiam estar no pódio comigo. Porque eu senti a vibração de cada um. Parecia que eu estava flutuando.
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Eu quero repetir tudo de novo. Quero ir para Paris. Mas agora eu pretendo aproveitar o meu momento. Vou levar a bandeira do Brasil na festa de encerramento no Estádio Olímpico para fechar com chave de ouro. Depois, podem ter certeza que vou dar 110% como fiz para chegar a Tóquio. E acreditem: eu posso apresentar resultados ainda melhores.
Nas entrevistas após, as minhas apresentações, os jornalistas me perguntaram sobre a minha calma e tranquilidade ao competir. Como eu me preparei, me sentia segura e pronta. E quando batia alguma incerteza, uma pontinha de insegurança, eu rezava. Lembrava do processo, do caminho. Voltava à minha mente tudo o que fiz e o porquê de eu estar lá. O porto seguro voltava. Também falei com meu joelho, claro: “Vamos lá! Aguenta firme! Está na hora!” E ouvi minhas músicas, as que me acalmam, as que me deixam tranquila e traduzem o que penso.
A hora H começa, na verdade, com um ritual. Coloco música no ouvido e vou me maquiar e prender o cabelo. Faço tudo isso sozinha. Gosto de combinar as cores das sombras com as cores do collant. Na ginástica, o artístico conta muito e quanto mais bonita você estiver, melhor. Já chama a atenção. Eu adoro essa parte. E no Japão a minha playlist foi com músicas evangélicas. Ouvi “Sabor de mel”, da Damares, na primeira final, e a “A Fé faz o herói”, da Jamily, na segunda. Procurem as letras aí. Vocês vão gostar.
Voltar para casa, reencontrar minha família. É isso que quero agora. Estou louca de vontade de rever todos e cantar com eles. É a nossa maior diversão. E a minha segunda paixão, depois da ginástica. A Rebeca é uma fênix. Todo mundo achou que eu tinha morrido, mas eu voltei. Fiz isso três vezes. E voltarei para casa com duas medalhas olímpicas.
Fonte: O Globo