TÓQUIO ?  É difícil encontrar japoneses com máscaras no queixo, pescoço, penduradas ou ainda sem o acessório. O uso da proteção tornou-se parte da etiqueta social no Japão bem antes da pandemia da Covid-19 e vai ser parte marcante da paisagem olímpica nos próximos dias ? das entrevistas às cerimônias de pódio.

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Basta andar pelas ruas de Tóquio para perceber que a população está acostumada às máscaras. É que pelo menos em duas épocas do ano elas já estão em evidência: no inverno, para evitar a transmissão do vírus influenza, e na primavera, por causa da alergia ao pólen de duas tradicionais árvores locais. Passar a usá-las de forma ininterrupta foi um processo natural.

? Com a Covid-19, foi fácil se adaptar ao uso durante o ano todo ? diz a psicóloga Neusa Emiko Miyata, brasileira que mora há 20 anos em Kumamoto. ? Você se sente mal se não usa. Todos ficam olhando para você. Sem contar que uso da máscara generalizado traz sentimento de segurança e diminui a ansiedade nesse período tão complicado. É mais fácil encontrar pessoas com duas máscaras do que com nenhuma.

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O costume de cobrir o rosto remonta ao período Edo (1603-1868), quando as pessoas usavam um pedaço de papel ou um ramo de sakaki ? planta considerada sagrada em algumas regiões do país ? para barrar o “hálito sujo?. Há japoneses retratados com a boca coberta em obras de arte do período Meiji, em 1868. Mas a produção de máscaras no formato atual se acentuou durante a gripe espanhola, em 1918. No Japão, aquela pandemia causou cerca de 23 milhões de infecções e 390 mil mortes (o país tinha 57 milhões de habitantes). E desde a epidemia de H1N1, em 2009, fazem parte do cotidiano.

Uso até no pódio

Tóquio, que recebe estrangeiros do mundo inteiro por causa dos Jogos, está sob estado de emergência. Houve aumento de casos positivos de Covid-19 na última semana e a testagem frequente e o uso das máscaras são pilares da organização para que o evento seja realizado com menos riscos à saúde.

O acessório é obrigatório em todas as instalações, mesmo para as disputas ao ar livre. A orientação é usá-lo em tempo integral, só sendo permitido tirar para refeições e para dormir. Os atletas podem competir ou fazer treinos específicos sem ela. Mas, nas academias e salas de condicionamento, o uso é obrigatório. As tradicionais fotos do pódio retratarão os medalhistas com os rostos cobertos.

Segundo o Comitê Olímpico do Brasil (COB), cada integrante da delegação brasileira recebeu nove máscaras, incluindo exemplares da N95 e de pano, com 30 filtros cada. A entidade trouxe mais de 68 mil máscaras cirúrgicas extras.

Na primavera, o acessório é usado para se proteger do pólen. Sérgio Takao Sato, CEO da Tasa Eventos, que organiza o Festival de Cultura Japonesa no Brasil, Rio Matsuri, conta que as árvores sugi e hinoki foram amplamente plantadas no país depois da Segunda Guerra Mundial para fornecer madeira para a reconstrução de casas após terremotos. E boa parte dos japoneses sofre com alergia ao pólen das espécies. Essa reação se chama kafunsho e há até boletins com previsão da meteorologia para a concentração no ar na época mais crítica.

? Estrangeiros que visitaram o Japão antes da pandemia acreditavam que as pessoas usavam máscaras para se proteger. Isso é verdade até certo ponto. É muito mais por consideração às outras pessoas, no trem ou ônibus do que sobre si mesmo. Especialmente quando se está resfriado ? diz Sérgio. ? A sociedade japonesa é disciplinada. O uso frequente seria natural em qualquer situação pandêmica.

Segundo o professor de história japonesa George Sand, da Universidade Georgetown, há uma crença falsa de que os japoneses adotaram essa medida porque seus governos são autoritários e há uma obediência cega aos regulamentos. Ele afirma que os japoneses adotaram o uso de máscaras por vários motivos, inclusive para preservar sua privacidade ou para esconder a falta de maquiagem.

Pensando no outro

Jo Takahashi, escritor e produtor de projetos em arte e cultura, ex-diretor da Japan Foundation em São Paulo, lembra que o uso também retrata confiança na ciência. Ele acredita que os ocidentais, de uma forma geral, não entendem que o uso da máscara é um sinal de respeito ao outro.

? Não há problemas em relação a isso aqui (uso de máscaras). A população respeita e, felizmente, por causa da Covid-19, não houve surto do vírus influenza neste inverno. Havia o temor de surto duplo ? conta Akira Miyata, vice-diretor do Hospital da Cruz Vermelha de Kumamoto, local onde são tratados todos os doentes graves de Covid-19 na cidade.

O japonês Yukihiro Yoshizawa, de 43 anos, motorista de táxi, explica que o mais importante para os japoneses é o bem-estar do outro. E que por isso tem o costume de usar a máscara bem antes da Covid-19. Ele diz que é normal. Quando perguntado o que sente e o que faz ao encontrar alguém sem mascara ele respondeu:

? Dá medo e simplesmente fujo, vou embora.