O bombeiro Ryo Takamine, de 30 anos, que nas horas vagas pega onda, diz que será honesto quando perguntado sobre a escolha de Tsurigasaki, em Chiba, banhada pelo Pacífico, para receber a estreia do surfe em Olimpíada:

? A praia não é atraente como as que vemos pelo mundo. Eu sei o que é uma praia bonita. E não é o caso. Mas Tsurigasaki é uma das mais famosas de surfe do Japão, é espaçosa e perto de Tóquio. Olha como ficou legal essa estrutura ?disse Ryo, em frente ao local onde 40 surfistas farão a estreia da modalidade nos Jogos no próximo fim de semana. ? Não é o melhor lugar, mas espero que tudo dê certo.

Ainda com roupa de borracha, a caminho do chuveiro, ele admitiu surpresa com a escolha. Sobretudo porque no verão, segundo ele, as ondas são menores:

? Vá mais ao Sul e verá que o Japão tem vários lugares legais e bonitos para pegar onda ? sugeriu, referindo-se à enorme diversidade de praias nas quatro ilhas principais e nas centenas menores do arquipélago.

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Tsurigasaki, a 64 km de Tóquio, tem água escura e morna e areia fina e preta. A praia é reservada à prática do surfe e não é frequentada por quem prefere nadar em mar aberto. Tampouco por quem gosta de abrir o guarda sol e esticar a tolha ? nem é convidativa a esse ponto.

Ao longo de sua larga e extensa faixa de areia há lixo aqui e ali. Molhes de pedras avançam ao mar e deixam a aparência da praia ainda mais sem graça, sem colorido. Dois telões enormes foram montados em cima destas estruturas para os Jogos. Outras pedras gigantes estão fincadas na areia como forma de proteção das grandes ondulações. Não é a paisagem que o brasileiro, tão bem servido, esteja acostumado.

Point local

Parte da areia e da água está isolada para a competição olímpica. Incluindo o torii, com inscrições japonesas, perto da areia. Considerado um portal sagrado, ele antecede a entrada de templos budistas e santuários xintoístas. O templo em questão está a poucos quilômetros dali. O torii, que está decorado com pompons dourado, é o que tem de mais charmoso em Tsurigasaki.

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Conhecida como Shidashita pelos surfistas locais, a praia recebe mais de 600 mil praticantes do esporte por ano e já foi palco de competições da Liga Mundial de Surfe (WSL). Hiroto Ohhara, que representará o Japão na Olimpíada, aprendeu a surfar nestas ondas aos 8 anos.

? Quando comecei a surfar, a praia de Tsurigasaki tinha muitos surfistas profissionais na água. De ponta a ponta. As ondas sempre foram boas ao longo do ano, e consegui surfar vendo pessoas melhores do que eu. Então fui melhorando ?fala Hiroto, que hoje treina no Havaí.

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A cidade adotada pela família de Ohhara começou a ganhar cara “tropical? no início dos anos 2000, quando várias lojas de surfe e restaurantes surgiram ao longo da Rota 30 da província, que corre paralela à costa do Pacífico. Logo se percebe que a praia está próxima, por causa das roupas de borracha, penduradas do lado de fora das casas. Chamam a atenção ainda alguns avisos presos aos postes com a indicação de rota de fuga e dos abrigos em caso de tsunami.

? Esta praia é para pegar onda. Existem outros endereços para quem quer relaxar ?diz o japonês Masahisa Tokuda, de 54 anos, que elogiou o litoral norte de São Paulo. ? A água é azul… Tsurigasaki não é assim, não é cartão postal do Japão e não é a minha preferida. Mas acredito que a Olimpíada promoverá a cidade.

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Tsurigasaki é point dos shortboarders, aqueles que usam pranchas pequenas. Embora a natureza seja imprevisível, nesta época do ano as ondas tendem a ser pequenas. Se pintar um tufão, tudo muda. A época deles começa em maio e vai até outubro, mas o pico se dá entre agosto e setembro.

? É bem ruim, né? Ondas pequenas, limitadas. Mas vou procurar me divertir. Nada do que acontecer em Tóquio vai mudar a nossa história, tudo o que nós brasileiros fizemos pelo surfe ? comenta Gabriel Medina, esperança de ouro para o Brasil. ? Na próxima Olimpíada, vai ser em paraíso. Taiti tem ondas boas e é considerada um dos melhores picos. Sonho em chegar lá.

Paixão japonesa

A competição nos Jogos de Paris-2024 será em Teahupo’o, no sudoeste da ilha do Taiti, na Polinésia Francesa. A comparação é até covardia, uma vez que o local, de água turquesa, é famoso por ondas gigantes, uma das melhores esquerdas junto com Pipeline, no Havaí. Conheça as arenas onde serão disputados os Jogos de Tóquio 2020

Em setembro de 2019, durante o ISA World Games, na praia de Kisakihama, em Miyazaki, os brasileiros surfaram ondas maiores, turbinadas por uma potente ondulação que entrou nos últimos dois dias. Italo Ferreira foi ouro e Medina, bronze. Eles comemoraram o pódio em meio a milhares de pessoas ? o Japão gosta de surfe.

? Para japonês não tem tempo ruim ?conta Dennis Tihara, de 37 anos, neto de japoneses, que morou um ano no Japão.

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Dennis, que já foi surfista profissional, acredita que os surfistas brasileiros vão se sentir em casa. Isso porque as ondas pequenas e sem força de Tsurigasaki são parecidas com as brasileiras.

?Onda pequena, fundo de areia… aposto nos brasileiros, principalmente no Italo Ferreira. Todos terão equipamento para ondas pequenas, menores, mais leves. Somos favoritos porque esse tipo de onda é a nossa especialidade ? opina Dennis, que hoje mora na Península de Maraú (BA). ? Quando me mudei para o Japão, em 2006, o surfe já estava dando uma guinada. Voltei a pegar onda em Chiba em 2019 e vi o número de praticantes se multiplicar.

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Dennis afirma que os japoneses estão fissurados com o surfe e que caem no mar em qualquer circunstância. Diz que chama a atenção a organização até na areia. Contou que os surfistas japoneses têm o costume de colocar os chinelos na calçada, todos enfileirados, e têm carros preparados para pendurar a lycra e alguns até com chuveirinho.

O surfe nos Jogos Olímpicos está previsto para começar no próximo sábado, mas depende das condições meteorológicas, podendo se estender. Além de Medina e Italo, no masculino, o Brasil terá Tatiana Weston-Webb e Silvana Lima, competindo entre as mulheres.