O futebol está de volta para onde sempre se sentiu em casa. Melhor assim. Não combinavam mesmo com a tradição da Azzurra os recentes fracassos, que culminaram na ausência da última Copa. Faz mais sentido vê-la como protagonista, recolocada no topo por um título incontestável da Eurocopa, conquistado nos pênaltis (3 a 2) sobre a Inglaterra após o empate em 1 a 1 neste domingo.

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Uma história de redenção só poderia ter o desfecho épico que tanto convém a esse tipo de narrativa, com direito a heróis, vilões e personagens salvos pelas circunstâncias. Parece cruel constatar, mas o grande algoz da Inglaterra sequer vestia azul ? e é uma espécie de reincidente.

Vinte e cinco anos atrás, o então zagueiro Gareth Southgate desperdiçou a cobrança que eliminou sua seleção da Euro de 96. O trauma foi tamanho que, transformado em técnico, ele passou a exigir de seus comandados que praticassem as batidas religiosamente.

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Ontem, Southgate não estava em campo para cobrar na trave, isolar ou recuar para o goleiro. Ainda assim, deixou suas digitais no fracasso em Wembley. Quando já estava claro que o confronto não se resolveria na prorrogação, ele mandou a campo os jovens Rashford (23 anos) e Sancho (21), na expectativa de ter a melhor combinação de batedores de pênaltis possível. Pois o primeiro chutou na trave, e o segundo parou no goleiro.

Voltemos às circunstâncias. Antes que o técnico da Inglaterra assumisse o lugar de vilão, outro personagem esteve perto de ser injustamente condenado a este papel. Responsável por converter a cobrança que eliminou a Espanha na semifinal, o brasileiro Jorginho teve novamente o match point. Desta vez, falhou. E contou com o insucesso de Saka (19 anos), outro jovem que Southgate colocou durante o jogo, para sair do torneio com a imagem sem arranhões.

A cobrança desperdiçada pelo jogador do Arsenal coroou justamente o último herói desta Euro: o goleiro Donnarumma, de frieza tão admirável quanto sua envergadura, e eleito pela Uefa o craque do campeonato.

DE CARA NOVA

O bicampeonato da Euro, depois do título em 1968, recobrou a velha vocação italiana para a glória. Mas o fez de um jeito diferente, muito distante daquele futebol defensivo que se tornou a marca do país nas últimas décadas. Os que acompanham mais de perto a Série A já haviam percebido que as temporadas recentes da liga apresentaram times ofensivos, com farto cardápio de jogadores técnicos. Essa revolução chegou à seleção sob o comando de Roberto Mancini, invicta há 34 jogos e, enfim, campeã.

A conquista de ontem premiou a equipe que dominou a maior parte do jogo, como já fizera em toda a campanha nesta Eurocopa. Quando Luke Shaw marcou o gol mais rápido da história em finais do torneio, a 1 minuto e 57 segundos, o que se poderia prever pelas características dos times foi irremediavelmente confirmado: a Itália controlou a posse (61% a 39%) e finalizou mais vezes (20 a seis), mas esbarrou na sólida defesa inglesa. Até Bonucci aproveitar uma bola desviada por Verrati após cobrança de escanteio e fazer o gol que permitiu o desfecho dramático nos pênaltis.

? É a melhor noite da minha carreira ? resumiu Bonucci. ? Nós merecíamos, nos tornamos lendas.

PÚBLICO PULSANTE

A festa da Azzurra representou a frustração da maioria dos mais de 67 mil torcedores que estiveram em Wembley, aglomerados e sem máscaras, apesar da ameaça que a variante Delta do coronavírus representa para Europa, mesmo nos países mais avançados na vacinação, como a Inglaterra.

Antes de a bola rolar, houve ainda focos de confusão do lado de fora do estádio. Torcedores sem ingressos derrubaram grades e tentaram aproveitar brechas para chegar às arquibancadas. Uma nota da administração do estádio, publicada pelo jornal “The Guardian?, confirmou o incidente.

Em que pesem os riscos de se reunir tanta gente em meio à pandemia, a torcida garantiu que esta final tivesse a atmosfera do velho normal. Tão normal quanto a Itália com a taça na mão e a Inglaterra ainda na fila.

Maiores campeões da Eurocopa Foto: Arte O Globo
Maiores campeões da Eurocopa Foto: Arte O Globo