Um futebol dinâmico, criativo e com as melhores soluções para jogos complicados, mas sem perder a essência da segurança na defesa. Dona de campanha com 100% de aproveitamento e uma das favoritas ao título, a Itália virou a sensação da Eurocopa. Nesta terça-feira, a Azzurra tenta dar mais um passo em seu renascimento no duelo com a Espanha, às 16h (transmissão da TV Globo), em Wembley, pela semifinal. O time de Roberto Mancini tem duas características que podem ajudar a explicar a fase atual, com 32 partidas de invencibilidade: a liberdade e o senso de diversão implementados pelo técnico.
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? Estou me divertindo muito. Nunca joguei com um sorriso tão grande no rosto, é como jogar meus amigos quando volto para casa. O treinador merece o crédito, ele permitiu que nós produzíssemos nosso melhor futebol. Todos, eu incluso, estamos jogando com um sorriso no rosto. Esse é nosso segredo ? afirmou o atacante Lorenzo Insigne, autor de um golaço na vitória por 2 a 1 sobre a Bélgica.
O Campeonato Italiano tem regras estritas sobre o registro de jogadores naturais do país e daqueles formados pelas categorias de base dos clubes locais, mas isso não evitou que a seleção sofresse por anos com uma seca de talentos. Após o título mundial de 2006, a azzurra viu os principais nomes daquela equipe envelhecerem e uma entressafra que surgia pouco capaz de manter o alto nível. As sucessivas falhas em torneios ? com exceção do vice-campeonato da Euro em 2012 ? precederam demissões no comando técnico e na diretoria de futebol da federação italiana.
As cabeças continuavam a rolar, e a Itália aceitava que as performances eram sintomas, e não causas, de um desconforto ainda maior. Marcello Lippi (técnico nas Copas de 2006 e 2010) sofreu porque seu time envelheceu. Seus sucessores falharam porque uma nova geração não emergiu para substituí-los. Enquanto a sombra daquele time glorioso de 2006 crescia, mais escura e profunda a melancolia italiana se tornava.
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Há muitas explicações. Massimiliano Allegri, técnico da Juventus, argumenta que as categorias de base da Itália são “táticas demais”. Técnicos estão muito procupados em manter seus empregos e acabam mascarando as individualidades dos jogadores com suas estratégias de jogo.
? Em vez de deixar as crianças aprenderem a defender no um contra um, colocam cobertura para elas. Dobram a marcação e a criança não aprende. Quando elas têm que defender no um contra um, não sabem como fazer ? diz Allegri. Segundo o técnico, esse é o motivo dos italinos “não produzirem mais campeões”.
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Técnico da equipe sub-21, Paolo Nicolato diz que a cultura futebolística do país é intolerante a erros, o que avalia ser “um passo necessário para o crescimento”. Nicolato afirma que o esporte no país sofre com um “relacionamento ruim com o futuro”:
? Estamos muito focados no presente.
Maurizio Costanzio, diretor de densenvolvimento da Atalanta, um dos poucos clubes bem-sucedidos em formar jogadores na última década, aponta a queda do futebol de rua e o surgimento do atleticismo no futebol como uma das causas do desaparecimento de armadores e jogadores criativos, característicos do futebol do país, e diz que os poucos que surgem, não têm muitas chances.
? Há ciclos em todos os países, não tem como prever precisamente quando bons jogadores vão surgir. Mas na Itália, um dos nossos problemas é que só pensamos no resultado, e isso nos limita. Faz com que nossos jogadores pareçam amadurecer de forma mais devagar.
Diversão com Mancini
Com exceção de Jorginho e Verratti, com carreiras bem-sucedidas no futebol internacional, boa parte dos destaques da equipe da Itália na Euro são jovens produzidos nos clubes locais, mas nenhum deles com grande brilho para além das fronteiras do país. Barella é um meia criativo e promissor, mas com poucos gols marcados pela campeã Inter de Milão. Também em curta carreira, Locatelli fracassou no Milan e se encontrou no Sassuolo. Outro jovem, Chiesa, transferiu-se recentemente à Juventus após certo impacto na hoje modesta Fiorentina. Enquanto isso, jogadores mais experientes, como o destaque Spinazzola (lesionado na última partida), Insigne, Immobile e Berardi rodaram por clubes italianos em boas carreiras, mas longe de um destaque mundial.
A Itália não vive exatamente uma geração de ouro, mas Roberto Mancini encontrou a forma de conseguir extrair o melhor desses jovens, afastando-os dos fantasmas e deixando-os mais à vontade para florescer seus talentos em um clima leve, de liberdade e sem a pressão imediatista por resultados. No anúncio da convocação da equipe, no início do mês passado, os italianos apresentaram seus jogadores em meio a um “show de variedades” transmitido ao vivo, com brincadeiras e bom humor envolvendo jogadores e comissão técnica. Um sintoma do que a Itália apresentaria na competição.
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A equipe tem um ar de time para o futuro, e isso a favorece. A Itália se sente jovem, ousada, nova e diferente. É um tipo de time que o país pode se divertir assistindo. Isso é resultado de um trabalho sério e de resiliência. A principal figura dessa reconstrução é Maurizio Viscidi, coordenador das categorias de base da azzurra. Contratado pelo lendário Arrigo Sacchi há dez anos, Viscidi implementou uma revolução: criou um time sub-15, reorganizou competições e mudou a forma de pensar nas equipes.
Em Mancini, encontrou um técnico que seguia suas ideias. Um mês depois de assumir o cargo, o técnico juntou profissionais, sub-21 e sub-20 em um camp de treinamento conjunto. A mensagem era clara: os jovens não serão deixados de lado, serão o centro e a linha de frente. O elenco convocado para a Euro é de “filhos” dessa revolução.
Ainda não está claro como ela terminará. A Euro pode ser o clímax da redenção. Pode ser preciso esperar até o Qatar. Pode nunca chegar ao esperado. Para Mancini, no entanto, esse não é o ponto. O que importa, agora, é que seu time e seu país se divirtam descobrindo.
Reedição da final
O duelo de hoje é uma reedição da final da Euro de 2012, vencida pela Espanha, então campeã do mundo, com goleada de 4 a 0. O zagueiro Chiellini lembra que sua equipe foi para aquela decisão cansada, e diz que não há favoritos desta vez.
? Temos que esquecer o que conseguimos até agora. Luis Enrique tem ideias claras, sofre críticas, mas sempre defende seu time.
Um dos principais jogadores da Espanha, o volante Busquets prevê dificuldades. Em entrevista ao jornal espanhol “As”, ele rasgou elogios ao técnico Luis Enrique e ao time italiano, mas traça a receita para a partida: não deixar a azzurra ter a posse de bola.
? Os italianos vão querer a bola e são capazes de tê-la. Têm ótimos jogadores no controle de bola como Jorginho, Verratti e Insigne, são caras que se sentem confortáveis assim. Vamos tentar prevenir e nos impor no jogo.
A outra semifinal, entre Inglaterra e Dinamarca, será disputada na quarta-feira, às 16h.
Fonte: O Globo