Acostumado aos estádios da Liga dos Campeões, Messi não perdoou o que viu no Brasil: “Os campos estão muito ruins, lamentavelmente. É uma vergonha que num gramado desse esteja sendo jogada a Copa América?. A crítica foi feita há dois anos, quando o país também recebeu o torneio. Mas nada mudou com a passagem do tempo. Após o empate com o Chile, na estreia da Argentina na edição 2021, o camisa 10 afirmou que o gramado do Nilton Santos “não ajudou muito?.
MARTIN FERNANDEZ:Os estádios mudam, suas almas não
Desta vez, Messi foi mais comedido que os brasileiros. Em suas redes sociais, Neymar ironizou o “belo? gramado do Nilton Santos e fez campanha para que a Conmebol mude o local dos jogos da seleção. O técnico Tite foi ainda mais duro ao classificar como “inadmissível? a condição do campo.
A má qualidade de muitos dos gramados brasileiros não é novidade. Mas a Copa América jogou os holofotes para o problema. Com a transferência do torneio a dez dias do início, a organização se deparou com campos sem preparos mínimos. Sem muito o que fazer, concentrou esforços no Maracanã, palco da final.
Os trabalhos no estádio tiveram início no último dia 24. Como ele só receberá a decisão, em 10 de julho, serão quase 17 dias preparando o solo. Houve troca de placas nos lados norte, sul e oeste do campo, totalizando cerca de 3 mil metros quadrados. Também foram plantadas sementes de grama de inverno.
ANDRÉ KFOURI:A linha da estupidez orgulhosa ajuda a explicar o futebol sem alma nos estádios brasileiros
A reportagem apurou que os agrônomos contratados para o trabalho consideraram péssimo o estado como o gramado foi encontrado. Também ficaram preocupados com o que viram no Nilton Santos e no Mané Garrincha, em Brasília. Mas estes não contaram com o mesmo tempo de preparação, já que começaram a ser utilizados ainda na fase de grupos.
A qualidade do campo depende de uma série de fatores. Um dos principais é o clima. No Brasil, a grama mais utilizada é a de verão. Com a queda de temperatura no meio do ano, principalmente nas regiões Sul e Sudeste, o aconselhado é a troca pela de inverno, que crescer com mais facilidade no frio.
? Implica em custo. A semente é importada, vendida em dólar. Os estádios com recursos para isso compram. Os outros ficam com a grama de verão mesmo ? aponta Leandro Godoy, professor responsável pelo laboratório de fertilidade do solo e nutrição de plantas (Lafen) da Universidade Estadual Paulista (Unesp).
Especialista em gramados esportivos, Godoy vê um salto de qualidade com a Copa de 2014. As arenas erguidas para o torneio adotaram os padrões da Fifa e estimularam outras a fazer o mesmo. Só que o aumento dos níveis de conforto para o torcedor intensificaram um problema. As coberturas que protegem as arquibancadas das chuvas afetaram a incidência de luz na grama. Para compensar, é preciso iluminação artificial. Como o equipamento é caro, poucos estádios dispõem de um.
COPA AMÉRICA:Fase de grupos termina sem empolgar e com mais casos de Covid-19 do que gols
Este foi um dos desafios encontrados pela Conmebol no Mané Garrincha, que sofre com a sombra. O equipamento da arena estava com 72 lâmpadas queimadas. Após a troca, o aparelho tem sido usado com frequência. Mas não evitou o desgaste com os jogos da Copa América.
De todos os problemas, o maior deles é o excesso de jogos. O calendário brasileiro se tornou inimigo da recuperação da grama. Só o Maracanã já recebeu 75 partidas depois da paralisação por causa da pandemia de Covid-19. Já o Nilton Santos registra 53. O desgaste pelo excesso de jogos nos dois estádios saltou aos olhos da Conmebol.
? A grama tem tolerância ao pisoteio. Mas exige tempo de recuperação. É um ser vivo. Demanda água, adubo, sol. E às vezes não há as condições climáticas ideais para o crescimento. Precisaria de mais tempo ? explica Godoy.
Estes problemas não são exclusividade da Conmebol. Com o Maracanã fechado, São Januário recebeu duas partidas no último domingo: Fluminense x Corinthians e Vasco x Brusque. E a situação também é delicada em outros estados. Ontem, os jogadores de Fortaleza e Chapecoense foram obrigados a aquecer no vestiário tamanho era o desgaste do campo do Castelão.
Na última terça, os atletas do Ceará já haviam protestado com as tags #arrumaocampo e #tahorrivel em suas redes sociais. Responsável pelo Castelão, a Secretaria de Esporte e Juventude do estado afirmou que faz manutenção constante e destacou que o local já recebeu 93 partidas (94 com a desta quarta) desde a volta do futebol. Até dezembro, a previsão é de que este número chegue a 127.
? Existe um máximo de jogos que você consegue manter (a qualidade do gramado). Se o ano tem 50 semanas, 50 jogos é o limite para se fazer o descanso. E isso piora quando há tempo frio, nublado. Então o excesso de jogos vai prejudicar. Não tem como fazer milagre ? completou o professor.
Fonte: O Globo