Os efeitos da manifestação racista de Danilo Avelar em um jogo online, na noite de terça-feira, e da reação do Corinthians a respeito ? o clube tenta desde quarta rescindir com o jogador ? não devem acabar neles mesmos. Com desenrolar inédito no futebol brasileiro, o caso pode ser um marco no combate ao racismo.

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Pela primeira vez, um clube de massa no Brasil se deparou com um caso concreto de atitude racista de um jogador do elenco, reconhecido pelo próprio. Avelar se referiu a um adversário em uma partida de “CS:GO? como “filho de rapariga preta?.

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O comunicado do Corinthians, informando que o clube está decidido a rescindir o contrato do jogador por causa do episódio, aconteceu 19 horas depois dos primeiros relatos do caso nas redes sociais. Para Marcelo Carvalho, diretor do Observatório do Racismo no Futebol, a reação dos clubes nesses casos geralmente ainda é o de tentar contemporizar o problema na esperança que seja esquecido. 

? O caso do Danilo é um passo adiante no que temos observado. Geralmente, o clube tenta contextualizar. O primeiro posicionamento do Corinthians foi nessa linha, antes do atleta se posicionar ? afirmou: ? Essa punição é algo realmente novo no futebol brasileiro.

 

Especialistas em marketing esportivo indicam que o caso deve servir como exemplo. O fato de a decisão do Corinthians ter sido tomada sem que a frase racista tenha sido proferida em um contexto de trabalho ? Avelar estava fora de qualquer instalação do clube, em um período de folga ? reforça a necessidade de compromisso dos jogadores com os clubes que representam longe dos gramados.

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? Vivemos um momento em que o posicionamento dos atletas e das instituições em assuntos políticos e sociais está sendo muito cobrado. Sobretudo em discussões que envolvem respeito às minorias, não se posicionar é entendido como dar suporte ao opressor. Neste sentido, foi muito corajoso o que o Corinthians fez, ainda que caiba a reflexão de se a atitude teria sido a mesma com uma estrela maior. Os clubes precisam assumir essas posturas de maneira clara e pública para poderem ser coerentes e fazerem a diferença ao longo do tempo ? explica Bruno Maia, especialista em inovação e novos negócios na indústria do esporte. 

Lucro a longo prazo 

Um aspecto financeiro envolvendo Corinthians e Danilo Avelar agrega ainda mais importância ao caso: até o fim deste ano, o clube terá que pagar ao italiano Torino, aproximadamente, R$ 4,4 milhões, quantia que representa segunda e última parcela referente à compra dos direitos do zagueiro, dívida que não deixará de existir devido à rescisão.

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? É muito legal quando o clube tem seus valores bem solidados na estratégia, que, por sua vez, são divididos com todos os colaboradores e, consequentemente, a torcida. Esses valores não podem ser ações de marketing, devem ser verdadeiros e, às vezes, vai doer no bolso, no dia a dia, na rede social. Mas, no futuro a longo prazo, o retorno é infinitamente melhor ? diz Renê Salviano, especialista em marketing esportivo. 

Não está claro quais clubes brasileiros possuem diretrizes semelhantes a do Corinthians para casos como o de Danilo Avelar. O Internacional, desde abril, incluiu uma cláusula antidiscriminação nos contratos de trabalho, que veda expressamente qualquer manifestação de preconceito por atletas e funcionários do clube em geral. Em um dos trechos, o colorado afirma que, “a infração à tais normas deverão acarretar em aplicação de advertência, suspensão e/ou rescisão direta por justa causa?.

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O trabalho de conscientização antirracista vem antes da punição, precisa ser feito para justamente evitar casos que demandem desfechos como o de Danilo Avelar no Corinthians. Ele já ocorre mais intensamente em alguns clubes. Marcelo Carvalho, do Observatório do Racismo no futebol, já esteve no Bahia para tratar do tema. Em maio deste ano, um professor de história vascaíno, que se tornou conhecido ao ser vítima de racismo de alunos, esteve com o elenco do time de São Januário para abordar a questão racial com os jogadores. 

No caso de Avelar, a decisão do Corinthians ficou mais fácil de ser tomada porque prints registraram a frase racista e o jogador, diante das provas, não teve outra alternativa que não reconhecer o fato. Sem isso, o cenário é mais complexo. Em dezembro, Gerson, então jogador do Flamengo, acusou o colombiano Ramírez, do Bahia, de racismo. O clube de Salvador afastou o jogador temporariamente. Sem provas e com o jogador negando o fato, ele foi reintegrado ao elenco.

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O passo seguinte precisa ocorrer dentro das estruturas dos clubes brasileiros. 

? Gosto de frisar que o racismo está dentro dos clubes ?afirmou Carvalho: ? Eles são formados basicamente por pessoas brancas. É preciso que a diversidade exista nos conselhos, na diretoria administrativa. 

O jornalista PC Vasconcellos ainda acrescenta que o movimento não é exclusivo aos negros. 

? É claro que a parte da população branca que se recusa a assinar um pacto pelo combate ao racismo vai dizer que o Corinthians exagerou. Mas o branco comprometido com a ideia de fim ao racismo também irá comemorar a decisão do Corinthians.