Faltavam duas horas para a partida entre Argentina e Chile ? estreia de duas das principais equipes da Copa América, há uma semana ? começar e três adolescentes que brincavam de bola no lado de fora do Nilton Santos foram pegos de surpresa com a descoberta de que, dentro do estádio, Messi estava se preparando para entrar em campo. Mais tarde, o craque marcaria um golaço de falta e o duelo terminaria 1 a 1.
Uma hora depois do jogo, o motorista de aplicativo parou em frente ao portão da Rua das Oficinas. Ao perceber o pequeno grupo de torcedores no local e o forte policiamento, perguntou:
?Teve jogo do Botafogo?
As duas primeiras rodadas da Copa América deram sinais do que já era esperado: o pouco interesse do público neste início de torneio. O time que joga pelo esvaziamento de mobilização pela competição é de peso: vai desde a troca repentina da sede, passando pela proibição de torcida nos estádios devido à pandemia, pela politização que tomou conta das discussões no país, pelas críticas de jogadores à sua realização, chegando até à fuga de patrocinadores. Vai valer a pena para a Conmebol?
A resposta é complexa. Para a entidade, manter a Copa América representou minimizar prejuízos financeiros que viriam em caso de cancelamento, o principal deles referentes à venda dos direitos de transmissão. A competição está sendo transmitida para 184 países diferentes. Esse é o tamanho do peso na balança.
Para Ricardo Fort, ex-executivo da Coca-Cola responsável global pelos patrocínios esportivos e de entretenimento, atualmente CEO da consultoria Sport By Fort, os danos à marca Copa América aconteceriam independentemente da decisão da confederação sul-americana.
? A desvalorização acontece pelo ambiente em que ela está inserida. Mas se você cancela, a marca é afetada também, corre o risco de ser esquecida, de ficar menos revelante. A resistência a ela pode ficar maior no futuro. É uma situação difícil para a Conmebol.
Politização atrapalha
A competição acontece às pressas no Brasil, decisão tomada com 13 dias de antecedência para a partida inaugural. Funcionários contratados para o trabalho nos bastidores vestem camisas com os nomes de Argentina e Colômbia, países que sediariam a competição antes dos problemas envolvendo a pandemia, no caso dos argentinos, e as manifestações sociais nas principais cidades colombianas.
Para a TV, a Conmebol conseguiu a tempo material com a identidade visual do torneio para as quatro sedes, cobrindo os assentos que estão vazios pela proibição de público. Nas transmissões, faz diferença.
Os esforços para valorizar a competição incluem o vídeo de homenagem a Maradona, exibido antes do jogo entre Argentina e Chile, e a participação ativa do presidente da Conmebol, Alejandro Dominguez, na defesa do evento, como contraponto às críticas de jogadores. Ontem ele estava com a família no Nilton Santos ? era Dia dos Pais no Paraguai.
Rafael Plastina, CEO da Sport Track, empresa que presta assessoria em marketing esportivo, afirma que, na teoria, transferir a Copa América para o Brasil foi a melhor solução para a Conmebol. Há bons estádios, experiência e pessoal habituado a trabalhar em grandes eventos. Mas o contexto em que ela ocorre prejudica a imagem do evento e a do Brasil, que se dispôs a recebê-lo. Ricardo Fort, baseado em Atlanta (EUA), destacou que a discussão política envolvendo a transferência da competição para o Brasil repercutiu muito na imprensa internacional.
Alternativa
A polarização em torno da Copa América, segundo Plastina, dificultou a discussão técnica sobre a viabilidade de realizar o evento, afugentou pessoas e patrocinadores, ainda que estar vinculado à competição não vá gerar prejuízos, afirma:
? Posso garantir que as empresas não vão sofrer danos. A mensagem do patrocinador é subliminar, se constrói com o tempo. Mas se estou na posição do gestor, não sei o que faria.
O desafio agora é tentar aumentar o interesse do público. A notícia da desistência de Mastercard, Ambev e Diageo de fazerem campanhas de ativação, ainda que tenham mantido seus contratos, além de impactar a imagem da Copa América, diminui as chances de engajamento da torcida via parceiros, tão comum em eventos de grande porte.
A “banalização? do evento também não ajuda. Esta é a quarta edição de uma Copa América nos últimos seis anos ? o torneio é originalmente programado para acontecer a cada quatro anos.
A missão se torna ainda mais complicada graças ao formato: com a diminuição dos tradicionais três grupos de quatro seleções para dois de cinco, e a desistência de Qatar e Austrália, duas seleções convidadas, a Copa América perdeu um aspecto fundamental que fideliza o fã de futebol de seleções: jogos todos os dias. Enquanto a Eurocopa, com estádios com público, terá 13 dias de futebol seguidos para finalmente uma pausa de 48 horas, a competição sul-americana ficou sem jogos pelo mesmo período já três dias depois da abertura.
Depois de vencer o Peru por 4 a 0 na última quinta-feira, o Brasil só volta a jogar seis dias depois, já que folga na atual rodada. O Uruguai, maior vencedor histórico do torneio, só estreou na última sexta.
Ontem, Venezuela e Equador empataram em 2 a 2 no Nilton Santos em um jogo bem movimentado, com os venezuelanos buscando a igualdade já nos acréscimos, com Hernandez.
Outro problema do novo formato é a falta de emoção na primeira fase. Responsável por 20 dos 28 jogos da competição, a fase de grupos classifica para as quartas de final quatro seleções de cada grupo. Só o lanterna é eliminado. Com uma vitória e um empate, dificilmente um time será eliminado. Ninguém percebeu, mas na quinta, ao golear o Peru, o Brasil se classificou matematicamente para a próxima fase na segunda de cinco rodadas do Grupo B.
Argentina e Chile, se vencerem Paraguai e Uruguai hoje, respectivamente, também garantem vaga com antecedência. A tendência é a fria primeira fase gelar: classificadas, as principais seleções devem usar as rodadas finais para rodar o elenco e as maiores estrelas podem ir parar no banco de reservas.
Bernardo Pontes, especialista em marketing esportivo, atualmente Gerente de Marketing do Flamengo, sugere que a Conmebol recorra às mídias sociais para tentar mobilizar o torcedor:
? Eu tentaria uma estratégia com influenciadores digitais. É preciso dar visibilidade a uma competição que muitas pessoas não sabem que está ocorrendo.
Fonte: O Globo