Desde 2002, quando o beisebol mostrou ao mundo como utilizar estatística e ciência de dados para ganhar o jogo, o esporte aprendeu que a vitória pode advir da revelação de um padrão de comportamento até então desconhecido do adversário. Isso é aplicado em modalidades diversas. Por exemplo, um jogador de vôlei, de 1,98m, que salta 3,50m e impulsiona uma bola para atingir a velocidade de 150km/h, é um adversário que impõe respeito. Entretanto, uma equipe técnica pode diagnosticar que esse atleta recorrentemente utiliza o lado esquerdo da rede para cortar no ponto decisivo e assim traçar estratégias mais eficientes de defesa.
No alto rendimento, isso só é possível com o uso intensivo da ciência de dados, ou “big data?, técnica que atribui inteligência aos dados. No entanto, o uso dessas informações vai muito além do jogo, sendo responsável também por decisões que permeiam a alta gestão e as estratégias de marketing.
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A ciência de dados é uma área do conhecimento que combina vários campos: estatística, método científico e análise com objetivo de extrair inteligência dos dados ? ou “valor?, como chamam os especialistas. Ela chegou ao esporte para responder as demandas das equipes técnicas por informações que pudessem melhorar de forma contínua a performance do elenco e personalizar o conhecimento sobre os adversários. Com o tempo, criou-se um outro tipo de rivalidade, uma disputa acirrada e milionária entre as equipes por dados que o oponente não possua. Desta forma, cientistas e analistas de dados tornaram-se profissionais imprescindíveis. O primeiro coleta as informações de fontes diversas para fazer predições, encontrar padrões e inferir sobre a resolução de problemas. O analista é mais aplicado e específico, trabalha com ferramentas voltadas à inteligência dos negócios. Seu objetivo é interpretar dados e produzir indicadores de desempenho.
Expansão e limites
O uso dos dados no esporte de elite começou na performance e depois passou para o marketing. Agora, pouco a pouco, essas áreas começam a pressionar a alta gestão pela implantação de uma estratégia de dados para tomada de decisão. Tem sido assim no Brasil e foi desta forma em grande parte do mundo.
Na área técnica, a ciência de dados chegou através de empresas que desenvolvem soluções específicas para várias modalidades. Entre as mais utilizadas estão a Wyscout, Instat e SportCode. A disseminação dessas plataformas universalizou o acesso às informações e, consequentemente, inteligência passou a ser a capacidade de produzir uma informação diferenciada, customizada e secreta. Por esse motivo, as organizações com mais recursos, além de utilizarem as plataformas, têm seus próprios bancos de dados voltados a orientar seus profissionais.
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Já a área de marketing, impactada pela indústria do entretenimento, precisou adotar ciência de dados para multiplicar sua base de fãs através do uso intensivo de mídias sociais e canais de streaming. Prioritariamente, foram adotadas rotinas com base em business analytics, um conceito que descreve a exploração dos dados de uma organização, com ênfase na análise estatística.
Com a base de fãs crescendo, multiplicou-se a geração de novas oportunidades comerciais e a dependência tecnológica das organizações esportivas para conquista dessa nova fonte de recursos, com objetivo de transformar cada fã em cliente (um mundo onde algoritmos decidem onde colocar um banner, por exemplo).
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No marketing do esporte brasileiro, o uso da ciência de dados tem se tornado mais comum. As equipes mais ricas têm seus próprios profissionais. Já aquelas com orçamento mais restrito terceirizam o tratamento de dados visando responder perguntas para engajar seu fã. Essas ideias valem para tênis, vôlei, surfe, basquete… No futebol, chama atenção uma força nordestina emergindo com Bahia, Fortaleza, Sport, Santa Cruz e CSA, que já utilizam inteligência de dados para engajar seus torcedores e simpatizantes, modernizando estratégias de marketing e aumentando a base de de sócio-torcedor e vendas através de ações comerciais.
No Brasil, a aplicabilidade da ciência de dados na gestão é pouco explorada. Em grandes clubes fora do país, é realidade como ferramenta para tomada de decisão; já chegou ao topo da organização e, hoje, discute-se como, quanto e quando começarão a pagar aos fãs pelos dados utilizados. No Brasil, o assunto terá protagonismo por dois motivos. Primeiro, não há caminho de volta. Segundo, com a promulgação da Lei Geral de Proteção de Dados em 2018 e sua vigência iniciada em março do ano passado, as organizações esportivas poderão escolher entre o amor e a dor para acelerar suas curvas de aprendizado: ou através da geração de conhecimento ou pelo doloroso pagamento de multas.
Mundo pós-pandemia
O desafio da nova gestão esportiva é pós-moderno. Essa é a nova etapa de desenvolvimento da nossa sociedade, não somente do mundo do esporte. É um ponto de virada quando passamos a utilizar tecnologia para gerar inteligência.
No esporte do mundo pós-pandemia ? quando o caixa está abalado e o aumento da receita requer a entrada maciça do capital privado ? sairá na frente quem conseguir mais rapidamente se adaptar aos novos modelos de negócios que serão baseados no uso intensivo de tecnologia para geração de novas receitas. Será necessário investir na educação dos gestores, na integração das áreas e na contratação de especialistas para que essa “inteligência pós-moderna? se faça disponível.
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A organização esportiva pós-moderna tem Tecnologia da Informação estratégica e um corpo de cientistas de dados apoiando diretamente a tomada de decisão de seus líderes ? seja o responsável maior da organização, como o presidente de um clube, seja os diretores dos departamentos. A TI meio, aquela que cuida da infraestrutura, torna-se o braço operacional. Na pós-modernidade, onde a tomada de decisão dos gestores esportivos não se fará sem o apoio de soluções tecnológicas, a TI pensa.
É uma mudança cultural, o maior desafio que as pessoas que estão à frente das organizações esportivas precisam enfrentar. Ventos inspiradores chegam da Bundesliga e da liga profissional norte-americana de basquete, a NBA, onde a TI já é estratégica, decide-se com base nos dados produzidos por equipes de cientistas e tanto a alta gestão quanto o marketing e a equipe técnica funcionam embasados por informação de qualidade.
*Maureen Flores é doutora em Estratégia e Desenvolvimento, especialista em inovação no esporte
Fonte: O Globo