Foram dias de protestos da população brasileira. Acompanhando pela mídia e redes sociais, os jogadores da seleção se envolveram no ambiente de indignação e quiseram se manifestar. Uma reunião precisou ser convocada. Não, este não é o cenário da última semana. Mas, sim, da que antecedeu a Copa das Confederações de 2013, marcada pelas manifestações. Na ocasião, a comissão técnica convenceu os atletas de que o mais apropriado era não se envolver. Oito anos depois, novo debate na Granja Comary. E, mais uma vez, optou-se por não se expôr. Mas a conjuntura já não é a mesma.

Não faltaram críticas à manifestação dos atletas divulgada após o jogo contra o Paraguai, na última terça. Menos por ela não conter o anúncio de um boicote à Copa América, o que nunca fora prometido pelos jogadores. A decepção se deve ao fato de o texto não corresponder ao sentimento de parte da população em relação à realização do torneio em meio a uma pandemia.

São 169 palavras. Não há “pandemia?, “covid-19?, “hospitais? ou “vidas? no manifesto. Os jogadores se disseram contrários à competição, mas não explicaram o porquê. Limitaram-se a revelar que, entre eles, há motivações tanto humanitárias quanto profissionais.

A enorme repercussão negativa à superficialidade com a qual o assunto foi tratado seria pouco provável em 2013. Hoje, contudo, faz parte de uma sociedade que reivindica posicionamentos. Com a s redes sociais, assuntos sociais viraram grandes debates. Cada vez menos é tolerado que marcas passem despercebidas por eles. No esporte, esta demanda inclui os clubes e os ídolos.

? Esta teoria de que atleta não pensa e não mistura política e futebol está com os dias contados ? afirma Fernando Mello, especialista em gestão de imagem no esporte e fundador da agência Press FC. ? O posicionamento é algo que a sociedade vem cobrando de marcas e empresas. Ídolos, como marcas que são, estão sendo também obrigados a mudar de postura. É natural que tenham que deixar de lado aquele discurso do “Graças a Deus ganhamos os três pontos? e se vejam instados a sair da zona de conforto.

Marcas saem na frente

A tendência já foi identificada pelas empresas. A rejeição popular à Copa América levou três patrocinadores à decisão de não exibir suas marcas. Não é exemplo novo. No ano passado, a reação do público à contratação de Robinho incomodou patrocinadores do Santos, que fizeram cobranças. Um deles rescindiu. Esta pressão levou o clube a recuar na repatriação do atacante, condenado na Itália por participar de estupro coletivo.

? As marcas que sabem trabalhar sua identidade já perceberam que não podem ficar em silêncio. Este é o ponto: não confundir dificuldade de posicionamento com medo de se posicionar. Marcas importantes, sejam elas jogadores, entidades ou patrocinadores, precisam estar atentas às demandas da sociedade. Não tem mais como escapar disso. Se você se afasta dos posicionamentos, diminui seu tamanho perante à sociedade ? explica Vinícius Lordello, especialista em gestão de reputação e crises no esporte.

No esporte, esta cobrança ganha ainda mais força devido aos exemplos internacionais. Na Inglaterra, a Premier League, os clubes e alguns atletas inativaram suas contas nas redes sociais em protesto à falta de medidas para coibir ataques nestes ambientes. Em outras modalidades, nomes como o piloto de Fórmula 1 Lewis Hamilton, a tenista Naomi Osaka e o jogador de basquete LeBron James viraram expoentes da luta antirracista.

Claro que não se trata de uma simples mudança de postura. Em muitos casos, manifestar-se significa esbarrar em interesses comerciais conflitantes. É aí que entra o trabalho do estafe dos atletas em ajudá-los a encontrar a melhor forma de se posicionar.

? Atletas que são patrocinados por marcas que também são parceiras da Copa América ficam numa situação incômoda. Imagine um jogador da Adidas se voltando contra a disputa de um torneio do qual ela é parceira ? pondera Mello. ? Imagine um atleta Nike se colocando contra uma decisão da CBF, que é patrocinada por ela. Isso é muito delicado. Envolve dinheiro, contratos e compromissos assinados.

O exemplo da seleção feminina mostra que todos estes poréns não são impeditivos. Em condição mais frágil que os homens perante à CBF, elas divulgaram manifesto e entraram em campo, na última sexta, com a faixa “Assédio não?. Isso cinco dias após o afastamento de Rogério Caboclo da presidência da entidade. Nas redes sociais, receberam apoio e elogios. Saíram com a imagem ainda maior.

Tite sobe o tom

O primeiro compromisso da seleção após a divulgação do manifesto é hoje, às 18h, em Brasília, na abertura da polêmica Copa América. Ontem, o técnico Tite subiu o tom e disse que o torneio foi “feito de forma atabalhoada?.

Tite também afirmou que a seleção pediu a Rogério Caboclo que a Copa América não fosse disputada no Brasil. O treinador contou que a conversa aconteceu antes do assunto ser levado ao Governo Federal. E que quando a sede foi anunciada, eles se sentiram “à mercê?. Por isso decidiram fazer um comunicado conjunto.

? Nós fomos leais e pedimos antes. Antes de levar ao presidente da República, ao país, colocamos essa situação que não gostaríamos, pelo respeito, por tudo o que estava envolvendo, por um lado sentimental. Ficamos à mercê, pediram tempo para nós, aí a situação ficou definida e ficamos expostos ? comentou o treinador.