Principal avalista da vinda da Copa América para o Brasil com o apoio do governo federal, Rogério Caboclo foi afastado ontem da presidência da CBF por 30 dias pela Comissão de Ética da entidade por causa de acusações de assédio moral e sexual contra uma funcionária. Interinamente, assume Antônio Carlos Nunes, o Coronel Nunes, vice-presidente mais velho.

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O afastamento ocorreu a uma semana do início do torneio continental, previsto para começar domingo. Uma reunião extraordinária entre os diretores da CBF e os oito vices foi convocada para hoje, no Rio. Segundo o colunista Lauro Jardim, do GLOBO, Caboclo não deve voltar ao cargo.

Além de tratar da investigação sobre Caboclo, os vices precisam lidar com a crise na seleção brasileira deflagrada pela forma como o mandatário conduziu a vinda da Copa América para o país, à revelia do conhecimento de comissão técnica e jogadores. Após longo silêncio, quebrado apenas pelas entrevistas de Tite e Casemiro, eles prometem expôr a opinião amanhã, depois do jogo contra o Paraguai. A expectativa é que os jogadores se mostrem contrários ao torneio, porém confirmem a participação.

Em Brasília, segue a pressão contra o evento. O relator da CPI da Covid, senador Renan Calheiros (MDB-AL), enviou uma nota aos jogadores e à comissão técnica afirmando que a Copa América não é “segura para o povo brasileiro?.

“Disputar a Copa pode até gerar troféu. Não disputar, em nome de vidas, significará sua maior conquista. Impossibilitado de apelar ao bom senso do presidente da República e da CBF, enviei nota aos atletas e à comissão técnica?, escreveu.

Segundo a Globonews, o afastamento de Caboclo aumentou a preocupação no núcleo mais próximo do presidente Jair Bolsonaro.

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A princípio, a mudança no comando da CBF não parece oferecer riscos à realização da competição em solo brasileiro. Nenhum dos oito vice havia transparecido qualquer contrariedade ao evento no país em meio à pandemia. A dança das cadeiras na política da entidade, inclusive, pode servir de panos quentes para a crise desencadeada com comissão e jogadores, a principal ameaça à competição e à permanência do treinador ? em Porto Alegre, o time não concedeu entrevistas e tenta se manter concentrado para as Eliminatórias.

Temor de boicote

A insatisfação da seleção gerou o temor de boicote ao torneio ? havia a expectativa de que a Copa América fosse cancelada por causa da pandemia. O motim liderado por alguns atletas teve o apoio de outras lideranças das seleções participantes, como Uruguai e Argentina. Ontem, porém, a Associação de Futebol da Argentina (AFA) confirmou a participação no torneio, mas a delegação deve ficar sediada em Buenos Aires e só viajará ao Brasil para as partidas.

A suspensão de Caboclo também reconfigura as peças de outro tabuleiro dos bastidores: a permanência ou não do técnico Tite à frente da seleção.

Antes de ser afastado, Caboclo tentava sobreviver politicamente e assegurar a realização da Copa América no Brasil. O relacionamento com o técnico da seleção brasileira, que já estava abalado por causa de críticas à comissão da seleção, ficou ainda mais estremecida com a crise gerada pela transferência da competição para o país. Ao comprar a briga dos jogadores, o treinador praticamente jogou uma pá de cal na relação.

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De acordo com o jornalista André Rizek, do Sportv, Caboclo prometeu ao governo federal que a seleção teria um novo técnico após o jogo contra o Paraguai. A informação também foi dada pelo jornal espanhol ‘As’ e o nome em voga é o de Renato Gaúcho. Como o GLOBO publicou na última sexta-feira, o treinador agrada ao comando da CBF.

Renato Gaúcho está sem clube desde que deixou o Grêmio, em abril, e já manifestou diversas vezes seu desejo de treinar o Brasil. Ele agrada por estar alinhado politicamente ao bolsonarismo. Em abril do ano passado, ele assessorou, informalmente, o presidente na retomada do futebol brasileiro durante a pandemia. Na ocasião, o treinador disse não ser o momento ideal para voltar aos jogos.

Com a suspensão de Caboclo, no entanto, não há mais garantias de que a promessa será cumprida.

A tendência é que os ânimos se acalmem no primeiro momento.

Sob comando de Nunes

Se comprovado algum tipo de interferência de Bolsonaro na CBF, uma entidade privada, o Brasil pode ser prejudicado junto à Fifa. Esse tipo de atitude política cabe sanção de acordo com o código da entidade que rege o futebol. Procurada, a Fifa ainda não se pronunciou.

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Coronel Nunes tentará se equilibrar em uma corda bamba. Ele é experiente em mandato tampão e considerado, por muitos, uma figura decorativa na CBF. Ele assumiu o cargo quando a Fifa afastou Marco Polo Del Nero da presidência, em 2017. Na sua gestão, criou uma situação embaraçosa entre os membros da Conmebol ao votar no Marrocos para ser sede da Copa de 2026, enquanto todos haviam concordado em votar na candidatura tríplice de México, EUA e Canadá.

Em possível banimento de Rogério Caboclo, haverá uma nova eleição entre os oito vices, mas nem todos são obrigados a concorrer. Os mais fortes politicamente são Castellar Guimarães Neto, ex-presidente da Federação Mineira, e Fernando Sarney, filho do ex-presidente José Sarney e membro do Conselho Executivo da Fifa. Somam-se a eles: Antônio Aquino, Ednaldo Rodrigues, Francisco Noveletto, Marcus Vicente e Gustavo Feijó.