Dezembro de 2020. Um dia antes do início da etapa de Pipeline, que abriria a temporada de 2021 do surfe mundial, Gabriel Medina conversa por telefone com O GLOBO. Em meio às declarações de praxe sobre a expectativa quanto ao retorno das competições após um ano sem disputas devido à pandemia, o surfista de 27 anos não se segurou ao analisar a mudança no formato do circuito, com a criação do “WSL Finals”:
? Achei injusto, sendo eu ou outro surfista no lugar. Perguntaram para os surfistas, teve votação, lembro que foi muita discussão para entrar em consenso. E lembro que muita gente foi contra.
Aqui faz-se necessário explicar o que é o tal WSL Finals. Neste ano, ao invés de coroar seu campeão de forma tradicional, somando a pontuação de todas as etapas, a World Surf League decidiu mudar. Criou essa “finalíssima” realizada em um único dia, em Trestles (EUA), reunindo os cinco primeiros nos rankings masculino e feminino. O formato será de mata-mata: o quinto colocado no ranking enfrentará o quarto. Quem vencer, avança para duelar contra o terceiro, e assim por diante, até a final contra quem terminou em primeiro na temporada. Uma fórmula que deve ter dado inveja em alguém na Ferj.
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Ainda naquela entrevista, Medina perguntava hipoteticamente como ficaria estranho se um surfista ganhasse inúmeras etapas. Ele ainda fez uma comparação com outro esporte:
– Na Fórmula 1 o Lewis Hamilton foi campeão com várias provas de antecedência. Seria como ele, depois de ganhar oito, nove corridas, ter que esperar outros quatro pilotos para fazer uma final.
Maio de 2021. Cinco etapas após o início da temporada, Medina parece mais do que disposto a bancar suas declarações e deixar clara sua contrariedade com a WSL. Com a vitória no evento de Rottnest Island, sua segunda no ano, ele disparou no ranking. São oito mil pontos de vantagem para o vice-líder Italo Ferreira. Absurdos 16 mil para o terceiro colocado. Em um ano normal, ele já estaria com uma mão na taça de campeão.
O surfista de Maresias parece pilotar a Mercedes de Hamilton, enquanto os demais concorrentes (salvo algumas exceções) tentam acompanhar o ritmo em um carrinho popular 1.0. Medina está dando volta nos outros, mas em setembro a WSL vai acenar a bandeira vermelha, paralisar a corrida e mandar todo mundo de volta para os boxes. Os cinco primeiros iniciarão uma nova prova – e aí quem sabe o que pode acontecer? E se fura um pneu?
? Poderia ter uma regra mais específica, se o cara estivesse muito à frente, não ter essa final. Ainda mais no surfe, em que a gente depende da natureza. E agora com a Covid? Se o primeiro do ranking testar positivo no dia? – questionou Medina naquela entrevista.
Talvez alguém argumente que, para fins de entretenimento, será mais atraente. Melhor uma super final, com uma bateria decidindo tudo, do que um título conquistado com várias etapas de antecedência, quem sabe até com Medina fora da água, assistindo à derrota de seu concorrente mais próximo no ranking. Mas certamente não será tão justo.
Fonte: O Globo