Não há qualquer dúvida de que Diego Simeone é rei em Madri. Ídolo do Atlético de Madrid da época de jogador ao retorno como técnico, em 2011, o argentino elevou os colchoneros ao patamar de terceira força de La Liga e os tirou de uma seca de títulos que durava 37 anos em 2014. Neste sábado, o técnico levou sua equipe a mais uma conquista, vencendo o Valladolid por 2 a 1 na última rodada e levantando o troféu da La Liga na temporada 2020/21.

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Após tantos anos, a moral de Simeone no Wanda Metropolitano ainda é grande, e boa parte das suas decisões à frente da equipe têm apoio de torcedores e diretoria. Mas isso nunca o isentou de críticas. O torcedor que acompanhou o futebol espanhol na última década sabe bem o estilo do Atletico. Simeone implementou uma ideia de jogo físico, com marcação dedicada e intensa, além de uma espera por brechas dos adversários para contra-atacar. As clássicas linhas de três ou quatro defensores e quatro meio-campistas compactas e próximas são visíveis em qualquer partida dos colchoneros, mesmo a olhos desatentos.

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? Ele tem uma forma de jogo estabelecida, é um personagem central. O Atlético é uma equipe que evoluiu muito em estrutura e receitas, e o Simeone é um cara que dá suporte para essa mudança dentro de campo ? afirma Paulo Calçade, jornalista e comentarista dos canais Disney.

Torcedores se reunem no Wanda Metropolitano em partida contra o Osasuña Foto: SERGIO PEREZ / REUTERS
Torcedores se reunem no Wanda Metropolitano em partida contra o Osasuña Foto: SERGIO PEREZ / REUTERS

 

O estilo surpreendeu adversários e garantiu o sucesso competitivo do Atlético no início da última década. O clube não só conseguiu a façanha de arrancar um título nacional das mãos de Real Madrid e Barcelona, como não termina La Liga abaixo da terceira colocação desde 2012. Na Champions, levou o clube a duas finais, ambas perdidas de forma trágica para o rival Real Madrid. Mas como toda ideia que inicialmente surpreende adversários no futebol, a proposta de Simeone começou a apresentar falhas e egostamento. As três últimas eliminações na Champions mostraram isso, segundo o jornalista e comentarista do Grupo Globo Fernando Kallás.

? O perfil do elenco começou a mudar, só que o perfil do Simeone nao evoluiu junto. Ele mantém mesmo discurso, a mesma tática. Na Champions, jogou de forma ultradefensiva, como time pequeno, e acabou eliminado. São três anos consecutivos sendo eliminado da mesma maneira ? aponta.

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Com contrato até junho de 2022, o técnico nunca pareceu sob a ameaça de demissão por parte da diretoria do clube, mas algumas complicações em La Liga e na Champions e a dificuldade em extrair mais da equipe, que temporada após temporada qualificava ainda mais seu elenco com contratações milionárias, começaram a incomodar nos últimos anos. A surpreendente campanha do título nesta temporada aplaca essas desconfianças, por ora.

Efeito Suárez

Em 2020/21, o Atletico mudou, ainda que nem tanto assim. A marcação firme e as linhas de defesa estão lá. Mas hoje, Simeone ampliou seu leque ofensivo e explora um pouco mais a efetividade quando consegue chegar ao ataque. E isso tem tudo a ver com a chegada de Luis Suárez, autor de 21 gols na temporada.

Suárez fez o gol da vitória contra o Osasuña Foto: GABRIEL BOUYS / AFP
Suárez fez o gol da vitória contra o Osasuña Foto: GABRIEL BOUYS / AFP

 

Ex-Barcelona, o uruguaio de 34 anos deixou o Camp Nou sob críticas pelo baixo rendimento. No Wanda Metropolitano, recuperou as características que o colocaram entre os melhores centrovantes do mundo na última década. Luisito não apenas ostenta oportunismo e marca gols decisivos. Sua presença na grande área permite que o Atlético explore zonas ofensivas até então inóspitas, especialmente pelos lados do campo.

? O Atletico estava há duas temporadas com problema seríssimo no ataque. Se tem uma coisa que o time sempre foi especialista é em substituir atacantes, de Kun Aguero a Griezmann ? diz Kallás.

Se o uruguaio é um atacante um pouco menos veloz do que o comum, seu posicionamento e movimentação são armas poderosas para abrir espaços em defesas. Nesse cenário, jogadores como o lateral-direito Trippier e os pontas Corrêa e Carrasco, bem como o ofensivo lateral-esquerdo Renan Lodi ? que vem alternando a titularidade com o zagueiro Hermoso ? encontram facilidade para repetir uma das jogadas que mais têm rendido gols à equipe na temporada: a infiltração na linha de fundo e o cruzamento rasteiro para a área. Foi em uma dessas jogadas que Suárez virou a partida contra o Osasuña, na penúltima rodada, vitória que levou a disputa do título para este sábado.

? No começo da temporada, ele descobriu que colocando o Mario Hermoso de terceiro zagueiro, os jogadores de meio conseguiram ter mais liberdade para atacar ? afirma o jornalista, que ressalta certa resistência do técnico em utilizar jogadores como Lodi, destaque e autor de gol contra o Osasuña.

 

Simeone aposta muito em movimentos automatizados. Polir seus jogadores de forma que naturalizem esse expediente, e outros como a centralização a partir da ponta e as tabelas rápidas na entrada da área, deixaram a equipe da capital espanhola mais produtiva. São 67 gols em 38 jogos, o segundo melhor ataque da Espanha.

Mas não são todos os casos em que o expediente do técnico argentino funcionará. O principal caso negativo talvez seja o de João Félix. Maior contratação da história do clube ? o Atletico pagou 126 milhões de euros ao Benfica em 2019 ?, o atacante português viveu uma segunda temporada ainda com muitas dificuldades de se adaptar à proposta do Cholo. O jogador de 21 anos tem 10 gols na temporada, mas não é dos mais queridos por Diego. Sem conseguir manter a consistência, perdeu a vaga de titular em algumas oportunidades.

João Félix tem adaptação difícil ao futebol espanhol Foto: GABRIEL BOUYS / AFP
João Félix tem adaptação difícil ao futebol espanhol Foto: GABRIEL BOUYS / AFP

? No projeto de vitória na liga nesta temporada, o João Félix é coadjuvante, banco. Não é protagonista. Llorente e Suárez são jogadores emblemáticos deste Atlético. Tudo isso dentro do “molde” do clube ? analisa Calçade, que complementa sobre as mudanças de mentalidade pelas quais passou o técnico ao longo dos anos:

? As coisas mudam quando o Simeone passa a usar Koke de volante. Ele já foi um jogador mais de beirada, hoje ele é um volante. Essa é uma concessão de Simeone a um jogo mais solto ? explica.

Irregularidade no fim

Mesmo com o bom desempenho geral, o time se fragilizou na segunda metade da temporada, tropeçou quando não podia e chegou perto de perder a liderança por diversas vezes para Barcelona ou Real Madrid. A “gordura” no topo da tabela se foi, junto com a esperança de um título antecipado. Gerir essas turbulências foi uma das lições do Cholo ao longo do ano.

? Nessa temporada, o primeiro turno foi brilhante. Foram 60% dos pontos conquistados no primeiro turno. Dá a impressão de queda, mas você tem outras disputas, como Champions e Copa do Rei (na segunda metade da temporada). Não dá para dizer que eles foram mal. Se o time foi melhor que a concorrência no primeiro turno, os pontos corridos funcionam para isso, ter a melhor performance te ajudando no final ? pondera Calçade, relembrando os tropeços que Barça e Real tiveram quando puderam ameaçar os colchoneros, equipe há mais tempo na liderança.

Em meio a essa administração de datas e competições, o Atlético sofreu eliminação precoce para o modesto Cornella, na segunda fase da Copa do Rei, em janeiro. O resultado incomodou, e este talvez tenha sido o momento que mais mexeu com Simeone na temporada. Na época, o técnico chegou a adotar tom misterioso sobre seu futuro.

? Vamos procurar por soluções se estivermos aqui no próximo ano. O futebol muda muito, você tem que estar aberto a todas as possibilidades. Temos que estar abertos a qualquer coisa que o clube decida ? disse, após a partida.