É chover no molhado dizer que Flamengo e Fluminense vivem, hoje, realidades econômicas bem distintas. Ainda assim, a disparidade nas contas não impede que a decisão de amanhã seja o encontro de dois elencos que, cada um em seu contexto, ajudam a pensar sobre o desafio que é fazer futebol na periferia do jogo em que nos transformamos. Seja com mais ou com menos dinheiro.

O Flamengo viveu a semana sob a ameaça de perder Gerson para o futebol francês, e os sentimentos que a possível negociação despertou são sintomáticos. Como se não bastasse o impacto da perda técnica, logo em seguida emergiu uma questão quase intransponível: a reposição. Mesmo com dinheiro, o mercado oferece a clubes sul-americanos pouquíssima oferta que reúna ao menos duas características de Gerson: o nível técnico que o faz ser cotado para a seleção e os 24 anos de idade. Num continente exportador, jogadores deste padrão e no auge físico de suas carreiras costumam estar atados a contratos importantes do outro lado do Atlântico.

Está aí o fator que mais distingue este Flamengo montado em 2019 das outras grandes equipes da América do Sul nesta era globalizada: a reunião de jogadores com nível para atuar em seleções do continente e que têm idades entre 22 e 30 anos. O Flamengo juntou Rodrigo Caio, Arrascaeta, Gabigol, Bruno Henrique e Everton Ribeiro, que tinha 30 anos quando venceu o título continental. Gerson, convocado para o time olímpico, parece entrar no radar de Tite. Contratar jogadores assim exige dinheiro, mas repor a saída de qualquer um deles pode se tornar inatingível mesmo para um clube líder em receitas no continente.

O que leva a outra conclusão um tanto desoladora para o futebol sul-americano. A formação de um time tão encantador tem um certo ar de evento irrepetível. Porque depende de uma combinação de fatores raríssima: aos talentos no auge se juntaram veteranos de primeira linha dispostos a voltar ao Brasil, casos de Rafinha e Filipe Luís. Rafinha saiu e o Flamengo não encontrou um lateral como ele.

O Fluminense, em realidade oposta neste futebol concentrador de riquezas, tem nas principais peças de seu elenco um fiel retrato da composição média dos times sul-americanos: Cazares à parte, seus destaques incluem os jovens que ainda não saíram para a Europa e os veteranos talentosos que cumprem por aqui as etapas finais de suas carreiras. O futebol da América do Sul costuma viver uma eterna contagem regressiva: desfrutamos dos jovens enquanto não atravessam o oceano e dos experientes enquanto não decidem que é hora da retirada.

O tricolor é o time dos 17 anos de Kayky, dos 20 de Luiz Henrique ou Gabriel Teixeira, dos 19 de Martinelli e de Calegari. Mas também é a equipe dos 37 anos de Fred, dos 39 de Nenê, dos 34 de Egídio…

Sinal de que a decisão deste sábado é mera formalidade? Ao contrário: os recentes encontros entre duas realidades tão distintas têm exibido um Fluminense capaz de desafiar a lógica econômica e competir à altura em muitos momentos. Entre outras coisas porque, idades à parte, o tricolor também tem talento para decidir jogos. O Flamengo segue favorito, mas o futebol não tem receita infalível.